Frequentemente, a mídia vem noticiando denúncias de abusos dirigidas a indivíduos e culturas de toda a empresa, colocando vitima e agressor frente a frente de um problema cultural e social. Além de responsabilizar o agressor, empresas e companhias, assim como qualquer outra espera da sociedade, não pode permanecer isenta de sua responsabilidade. Porém, muitas varrem a sujeira para baixo do tapete, limpando a casa publicamente – como a Ubisoft , que agora está enfrentando uma ação judicial por comportamento abusivo e de intimidação supostamente crescente em toda a empresa de 18.000 pessoas.
Leia as manchetes
Plataforma de streaming disse que está investigando denúncias. Um dos principais acusados publicou vídeo pedindo desculpas por comportamento: ‘Não sou uma vítima’.
– Funcionário de hotel é preso por estupro de hóspede no Rio de Janeiro
– Existe internet na pia? – indaga um competidor.
– Infelizmente, existe o movimento feminista diz Robinho
Muitas mulheres revelaram histórias de abuso envolvendo gamers, influenciadores, empresários e outras personalidades da indústria dos jogos e dos esportes eletrônicos. O movimento é inspirado no “Me too”, que abalou Hollywood em 2017. Parcela das denúncias envolvem nomes conhecidos da plataforma de streaming Twitch, que reúne transmissões de gamers e competições de eSports. O serviço divulgou um comunicado sobre o assunto neste domingo (21) e disse que está investigando as acusações. “Levamos a sério as acusações de agressão e assédio sexual. Estamos analisando os casos relativos a streamers afiliados ao Twitch e trabalharemos com a aplicação da lei, quando for necessário”, afirma o texto.
Não apenas isso, mas muitas empresas como a citada anteriormente, Ubisoft, que foi acusada de desprezar protagonistas femininas em diversos games de Assassin’s Creed, como Origins e Odyssey, para dar mais ênfase em personagens masculinos devido a uma percepção de que jogos não venderiam sem um forte protagonismo masculino ou que personagens femininas requerem “muita produção extra”. Além de terem um espaço de trabalho tóxico.
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Esse problema não se resolverá do dia para a noite, mas existem maneiras viáveis que a indústria, assim como a sociedade pode tomar como menciona a advogada especialista em abuso da Bolt Burdon Kemp, Siobhán Crawford. De acordo com o artigo A lawyer’s perspective on the industry’s abuse problem, a advogada relata que muitas vezes não se tem conhecimento de uma estrutura que possibilita o assédio dentro das empresas e é necessário ter estrutura e começar a ter uma consciência de que não se trata de “brincadeirinha”. Abuso é algo sério e deve ser combatido.
“A indústria de jogos e as empresas dentro dela dizem: ‘Sim, vamos mudar, sim, vamos fazer algo sobre isso.’ Mas eles não chegam e fazem o trabalho. Eles apenas defendem o que acham que as pessoas querem ouvir e permitem que as coisas continuem. “
Ela ainda ressalta que já trabalhou em vários casos de abuso, inclusive contra instituições como a Igreja Católica e percebeu que o abuso sistêmico permanece em descontrole dentro de tais instituições. Crawford ficou impressionado com a “misoginia arraigada” da cultura de jogos e, por extensão, da indústria, dizendo que precisa de uma abordagem de cima para baixo para enfrentar com eficácia.
Ainda de acordo com a advogada, motivos como favoritismo, potencial perda de conhecimento institucional e medo de prejudicar a reputação da empresa com um escândalo público, entre eles, fazem com que empresas decidam não agir de forma correta. E deixar de agir ou de se posicionar de acordo com o que se espera, é ser negligente e irresponsável. Outro erro é achar que o espaço de trabalho é “família”. É afirmado pela advogada que não essa relação familiar no trabalho é inexistente.
No entanto, como podemos resolver essa questão se a todo momento nos deparamos com atitudes que deveriam deixar de existir?
Esse tipo de tratamento machista não é exclusivo apenas pelas empresas, mas também é dos jogadores, pois consomem jogos que de forma “indireta” imprimem em seus personagens, a cultura machista que gera impacto nas relações entre jogadores e jogadoras, um deles é a violência verbal. E o buraco desse problema? É mais embaixo… Segundo a doutora em Comunicação, especialista em Práticas de Consumo e professora do IBMR, Beatriz Beraldo, a cultura machista não é de exclusividade masculina. A cultura machista é perpetuada e disseminada pelos homens, porém, contamina também a sociedade como um todo, ou seja, é difícil uma mulher ou um homem ser imune a esse comportamento. Ainda segundo a Beatriz Beraldo, as produções audiovisuais tem sido repensadas e introduzindo mulheres como protagonistas, desfazendo o estereotipo de mocinha frágil, donzela indefesa ou até mesmo de escada para os personagens masculinos. Mas mesmo assim, tem muito para progredir.
Santos perde patrocinador após contratar Robinho
Essa foi a manchete que rodou os maiores portais de informação do mundo. E por que? Porque tanto nos eSports quanto nos espertes físicos, o assediador tem cara, nome, endereço e muita gente ao seu lado. O clube de futebol Santos sofreu a primeira baixa após a contratação do atacante Robinho, 36 anos, condenado por estupro na Itália. A Orthopride, empresa de ortodontia, rompeu contrato de publicidade com o clube da Baixada Santista, ao qual patrocinava desde 2018. Além dessa empresa, outras sete se posicionaram contra a contratação do jogador.
Em entrevista exclusiva ao UOL, em que falou durante cerca de 40 minutos, o jogador Robinho, condenado a 9 anos de prisão pela Justiça italiana por violência sexual, afirmou que “infelizmente, existe o movimento feminista”. O atacante também reafirmou que é inocente, e que não fez nada com a mulher sem que houvesse o consentimento dela. Essa foi a primeira entrevista que Robinho deu sobre sua sentença de condenação.
De forma geral, casos como este da empresa Ubisoft ou a polemica envolvendo a contratação do jogador Robinho nos alertam sobre como precisamos ter uma cultura mais inclusiva e que o machismo, sexismo, além de outras atitudes problemáticas não podem ser questões naturalizadas pelas empresas e pela sociedade. Não basta ter representantes femininas, precisamos de pessoas e de empresas que pensem nas reponsabilidades sociais com os cidadãos para que esse tipo de atitude não seja mais perpetuado. Não basta afastar o “camarada” ou “se desligar” do executivo da empresa. Talvez o mais importante nesta discussão, porém, seja que as empresas se responsabilizem; pelo abuso que se perpetua em toda a indústria, pelas carreiras arruinadas, por toda a dor e trauma. Precisamos repensar nossas atitudes em todos os âmbitos na nossa vida, seja no virtual, em campo ou em casa.