Após dois anos de processo judicial, o veredito sobre a suspeita de assassinato do pastor Anderson de Carmo, marido da então deputada Flordelis, foi dado.
Saiba tudo sobre o caso Flordelis.
O Caso Flordelis
Tudo começa na noite de 16 de junho de 2019, quando o pastor Anderson de Carmo, marido da ex-deputada Flordelis, foi brutalmente assassinado na garagem de casa.
Anderson foi executado a tiros na garagem da casa onde morava com a família em Pendotiba, na cidade de Niterói, Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo os laudos dos peritos, foram identificadas 30 perfurações de arma de fogo no corpo.
Quem é Flordelis?
Flordelis é uma cantora gospel que fundou a própria igreja, o Ministério Flordelis, da qual se dizia missionária. Em 2018, ela foi eleita deputada federal pelo PSD.
A Vida Familiar
Anderson e Flordelis foram casados por 25 anos. Se conheceram durante um culto evangélico em 1991 e se casaram em 1994. Flordelis tinha três filhos biológicos: Adriano, Flávio e Simone. Anderson chegou a namorar Simone antes de se casar com Flordelis, que era dezesseis anos mais velha.

Além dos três filhos de Flordelis e outros cinco filhos adotivos que constituíam a chamada “primeira geração” da família, o casal adotou outras 47 crianças, em geral encontradas nas ruas. A dinâmica familiar, no entanto, incluía um tratamento diferenciado entre os filhos: enquanto os da “primeira geração” tinham acesso a comida de melhor qualidade, geladeira e viviam no segundo andar da casa, numa área restrita, os demais 47 viviam numa área coletiva no primeiro andar da casa, comendo apenas pão sem manteiga no café da manhã e arroz, massa e salsicha no almoço e jantar.
Anderson exercia todo poder familiar, inclusive controlando todo dinheiro, até mesmo o do Ministério Flordelis, depois rebatizado de Comunidade Evangélica Cidade do Fogo. O pastor era frequentemente descrito como “controlador” em relação à esposa, escolhendo as roupas que Flordelis usava e determinando os temas que seriam pauta em suas pregações perante os fieis do Ministério Flordelis. Além disso, Anderson era o responsável por administrar a vida financeira da família: costumava andar com grandes quantias de dinheiro na mochila a fim de distribuir a determinados filhos do casal e à própria Flordelis. Por este motivo, desentendimentos eram frequentes na dinâmica do casal, ao passo que Anderson queixava-se que a parlamentar gastava excessivamente.
Flordelis também foi acusada de desviar dinheiro de sua igreja para usá-lo em benefícios pessoais, como plano de saúde, e também em lazer. Uma das fiéis da igreja do casal afirmou que Flordelis e Anderson frequentavam uma casa de swing na Barra da Tijuca, onde a deputada tinha um quarto exclusivo, e constantemente saía de lá completamente bêbada.
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Os envolvidos
De acordo com o Ministério Público, sete dos cinquenta e cinco filhos biológicos e adotivos de Flordelis estão envolvidos no crime, além de uma neta e outras duas pessoas. O órgão também afirma que a ex-deputada tentou manipular as testemunhas do processo que investiga o caso por diversas vezes.
A noite do crime
Após laudos e investigação policial, foi possível realizar o detalhamento da noite de 16 de junho, em que o crime ocorreu. Flordelis avisou em casa que iria sair com marido para namorar.
Por volta das 3h, ela manda uma mensagem para Marzy, avisando que está a caminho de casa. Esse é o horário também que câmeras de segurança mostram Lucas dos Santos entrando na casa da família com uma mochila, e saindo 15 minutos depois sem o acessório.
Flávio também aparece um tempo depois nas imagens.
A polícia estima que Anderson do Carmo tenha sido morto por volta das 3h25. Nesse horário, o carro com Flordelis e Anderson entra na garagem em Niterói. A então deputada entra em casa e deixa o marido sozinho. Flávio entra no local, sem ser percebido, nem denunciado pelos cachorros da família, e dispara mais de 20 vezes contra o padrasto. Anderson é atingido de surpresa na garagem da residência quando, inclusive, vestia apenas roupa íntima.
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A família leva Anderson do Carmo para o Hospital Niterói D’or, onde já chega morto.
Segundo uma neta, Raquel Silva, as reações na casa são muitas. Uma neta, de nome Rafaela e que sabia dos planos contra o pastor diz: “Se ele estiver vivo, vou pegar as coisas e meter o pé dessa casa”. Já outra neta, Lorrane dos Santos, ainda segundo depoimento de Raquel, teria rido e anunciado a morte feliz: “Ele morreu”.
O Julgamento
O Ministério Público denunciou a ex-parlamentar e mais dez pessoas pelo assassinato, em 2019. Na época, a pastora não teve sua prisão pedida por conta da imunidade parlamentar, que perdeu em agosto de 2021, quando foi cassada pelo plenário da Câmara dos Deputados.

Ao todo foram 14 meses de investigação policial, dois anos de rito processual e seis dias de julgamento.
Em sua defesa, a ré negou participação no caso e tentou construir uma argumentação de que Anderson do Carmo foi morto por outros membros da família por conta de abusos sexuais e morais que cometia contra os parentes.
Crime premeditado
De acordo com as investigações da Delegacia de Homicídios de Niterói, e comprovada por laudos médicos, a ideia de matar o pastor Anderson do Carmo teria sido definida dois anos antes do crime.
A primeira tentativa foi por envenenamento com arsênio e cianeto. Foram pelo menos seis tentativas – e idas ao hospital. Uma das irmãs teria oferecido R$ 10 mil ao irmão Lucas dos Santos para matar o pastor, que antes de falecer havia dado entrada no hospital por mais de oito vezes, com dores estomacais, mas o veneno não era encontrado.
Durante o julgamento, o perito Sami El Jundi, convidado pela defesa dos réus, explicou que o arsênio não tem gosto, é facilmente dissolvido em outras substâncias, e que o cianeto é eliminado quase que imediatamente do organismo. O arsênio só seria detectado em uma exumação se fossem analisadas estruturas com queratina, como unhas e cabelos.
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O Motivo
O inquérito da Polícia Civil concluiu que Anderson foi morto por questões financeiras e poder na família. O pastor controlava todo o dinheiro e mantinha rigoroso controle das finanças familiares.
Segundo as investigações da polícia, a pastora não queria desmoralizar-se perante os fiéis de sua igreja com um divórcio, sendo mais aceitável ficar viúva. Segundo as próprias palavras de Flordelis, encontrada em troca de mensagens de seu celular: “Fazer mais o quê? Se separar eu não posso, porque não posso escandalizar o nome de Deus. Isso não!“
A Sentença
Flordelis, Lucas Cézar dos Santos Souza, Simone e Flávio dos Santos Rodrigues foram condenados pelo assassinato em si. Os outros quatro, por outros crimes associados ao caso.

Rayane dos Santos, neta biológica da ex-deputada, Marzy Teixeira e André Luiz de Oliveira, filhos adotivos de Flordelis, foram inocentados.
Na sentença lida pela juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce, Flordelis é confirmada como mandante do homicídio triplamente qualificado, imputa a tentativa de homicídio duplamente qualificada, além de uso de documento falso e associação criminosa armada. Foi condenada a 50 anos e 28 dias de prisão.
Adriano dos Santos Rodrigues, filho biológico de Flordelis, teve a sentença de quatro anos em regime semiaberto por uso de documento falso e associação criminosa armada. Marcos Siqueira Costa, ex-policial militar, e sua esposa Andrea Santos Maia, foram condenados a cinco anos em regime fechado e quatro anos em regime semiaberto, respectivamente.
Já o filho adotivo Carlos Ubiraci Francisco da Silva foi condenado pelo crime de associação criminosa armada a dois anos, em regime inicialmente semiaberto. Em abril de 2022, a Vara de Execuções Penais do TJRJ concedeu liberdade condicional a Ubiraci.
Flávio dos Santos Rodrigues, filho biológico de Flordelis, foi condenado a 29 anos de reclusão em regime fechado. Ele foi denunciado como autor dos disparos que provocaram a morte do pastor. Além dele, Lucas Cezar dos Santos de Souza, filho adotivo da ex-parlamentar, foi condenado a nove anos de prisão, acusado de ter sido responsável por adquirir a arma usada no assassinato.