Crítica | Castelo De Vidro

Nos últimos anos, quase todos os roteiristas de Hollywood estão recorrendo às relações filiais para criar drama. Narrativas completamente distantes dos problemas domésticos, em um momento ou outro, sugerem algum trauma entre pais e filhos. Claramente, isso se tornou uma muleta, sempre empregada para transmitir a falsa sensação de complexidade emocional e psicológica. São poucos os filmes que ultrapassam essa camada de superficialidade. Recentemente, dentro dos baixos padrões estabelecidos pelos blockbusters norte-americanos, Guardiões da Galáxia 2 foi um dos que conseguiram, e, caso o leitor esteja interessado em ver um longa no qual essa situação dramática toma a dianteira, sendo devidamente explorada, O Castelo de Vidro surge como uma boa opção.

Baseado no livro autobiográfico de Jeannette Walls, o roteiro é centrado na história da própria autora. Interpretada por Brie Larson na vida adulta, ela cresceu no seio de uma família nômade. Em razão dos ideais políticos, o temperamento explosivo e o alcoolismo, o seu pai (Woody Harrelson, em uma das melhores interpretações da carreira) era obrigado a viajar pelos Estados Unidos tentando encontrar casas abandonadas capazes de abrigar a família. Subjugados pela figura paterna, a esposa (Naomi Watts), a protagonista e os três irmãos tiveram de sacrificar uma parte considerável de suas respectivas vidas.

Crítica | Castelo De Vidro 1
O Castelo de Vidro | Imagem: Lionsgate

O Castelo de Vidro começa de uma maneira emblemática: sentada com o noivo (Max Greenfield) e um outro casal à mesa de um imponente restaurante nova-iorquino, Jeannette mostra ser uma mulher elegante e perfeitamente adaptada ao ambiente. No entanto, para a nossa surpresa, de sua boca brota um sotaque sulista e uma piada inconveniente sobre a idade avançada do homem que está à frente. Logo depois, quando já está dentro de um táxi, é surpreendida pelos pais, dois moradores de rua sobrevivendo à custa da comida e dos objetos encontrados no lixo. Em casa, liga para uma das irmãs relatando a triste imagem que acabou de testemunhar.

Por fim, há um corte, e somos transportados à infância da personagem. É assim, através de uma economia de recursos, que o público é apresentado à estrutura da história, constituída de cenas no momento presente e flashbacks, e ao conflito interno da protagonista. Jeannette está infeliz com as direções que a vida tomou, pois tem ciência de que, por trás da jornalista celebrada nas rodinhas da alta sociedade, permanece escondida a verdadeira essência de sua personalidade. Como deseja reencontrá-la, ela precisa percorrer a memória, retornando aos momentos capitais da sua trajetória.

E é a partir desse exato momento que se inicia o tour de force que serão as próximas duas horas, afinal de contas, o roteirista Andrew Lanham e o diretor Destin Daniel Cretton sabem que retornar ao passado é o equivalente a um carro desgovernado andando em um via de duas mãos: ao mesmo tempo que a pessoa reencontra o verdadeiro “eu”, coloca o dedo em feridas muitos recentes para estarem cicatrizadas. É verdade que, em certos instantes, o espectador pode achar a narrativa desfocada, porém, uma análise mais aprofundada revela o equívoco dessa impressão. É importante notar que a história é sempre vista através da subjetividade da protagonista. Portanto, a sensação de que os realizadores ora abraçam uma coisa, ora outra, é inteiramente condizente com as diferentes fases da vida de Jeannette.

Assim, quando o cotidiano dos Walls é introduzido e descobrimos que eles vivem no mesmo estilo da família disfuncional de Capitão Fantástico, achamos engraçado tudo o que está sendo mostrado, chegando até a ficar admirados com a liberdade que eles gozam.  No entanto, posteriormente, as coisas que eram engraçadas se tornam trágicas. Obviamente, entre essas duas realidades, há um choque de atmosferas. A leveza do início cedeu lugar à intensidade do drama. À primeira vista, isso pode parecer inconstância narrativa, mas, novamente, vale lembrar que estamos vendo o mundo com os olhos de Jeannette. Dessa maneira, é perfeitamente natural que, em uma idade mais tenra, ela tenha se embevecido com as idiossincrasias do pai, e, mais velha, visto como aquilo era um câncer às pessoas ao redor.

Veja também: Comparativo Filme vs Livro: O Castelo de Vidro

O mesmo vale para a conclusão da história. Na época atual, muitos verão nas escolhas da protagonista uma espécie de Síndrome de Estocolmo e se perguntarão o porquê de ela ter agido da maneira que agiu. Porém, esse é um cinismo incompatível com qualquer tipo de avaliação séria. Basta se colocar na pele da personagem para perceber que, quando amamos alguém, estamos sempre propensos a enxergar os aspectos positivos em detrimento dos negativos. Ainda mais quando a nossa personalidade e caráter foram moldados por essa presença. Achar que podemos simplesmente afastar as influências “negativas” é ter uma visão muito ingênua da vida (as imagens de arquivo reais mostram como todos envelheceram em paz com o que aconteceu).



No fim, é nessa madura compreensão das relações humanas que O Castelo de Vidro conquista o coração do espectador. Ao invés de vender slogans cujo conteúdo se resume a comportamentos individualistas, emite uma mensagem de perdão e conciliação. Em alguns momentos, peca ao resvelar para o caricato (Naomi Watts não acha o tom certo de sua personagem e a cena do braço de ferro é muito exagerada), mas a narrativa melodramática nunca soa hiperbólica, a entrega dos atores é completa (o diálogo final entre Jeannnete e o seu pai é avassalador) e o seu conteúdo é o que tem de mais humanizador e fraterno. Se, por vezes, parece confuso e cheio de amor e ódio, é porque a vida também é assim.

 

Nota do Thunder Wave
O filme relata a exótica vida da família de uma maneira interessante e certeira.
Escrito PorMiguel Forlin

Artigos Relacionados

Comentários

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por Favor insira seu nome aqui

Instagram

Bombando

Mais vistos da semana

Siga Nossas Redes

Tem conteúdo exclusivo por lá
6,825FãsCurtir
2,986SeguidoresSeguir
4,049SeguidoresSeguir

Receba as novidades

Fique por dentro de todas as novidades do site em primeira mão!

Recentes

Conteúdo fresquinho

Thunder Stage

Tudo sobre roteiro
O filme relata a exótica vida da família de uma maneira interessante e certeira. Crítica | Castelo De Vidro
pt_BRPT_BR
Thunder Wave-Filmes, Séries, Quadrinhos, Livros e Games Thunder Wave