Crítica | A Sogra Perfeita

Surpreendente como o longa tem mais erros do que acertos

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O cinema brasileiro tem apostado em muitas comédias recentemente como o divertido Um Casal Inseparável e até mesmo o esperto Galeria Futuro. O objetivo é fazer o público rir e refletir sobre assuntos que normalmente não são pauta em meio a um desgoverno que gera mais polêmica do que reality show de quinta. Fato é que, a nova comédia protagonizada por Cacau Protásio pode gerar um bom debate sobre a figura da sogra, um tanto estereotipada na nossa sociedade e a forma como o homem é ensinado desde pequeno a fazer a mulher de empregada e muitas vezes é ensinado pela própria mãe. Infelizmente, essa comédia comete mais erros do que acertos.

Quem conhece a atriz Cacau Protásio, sabe que ela tem um currículo interessante, incluindo produções de grandes sucessos do cinema, como os filmes “Vai que Cola” e “Farofeiros”. Agora Cacau Protásio estreia como protagonista da comédia “A Sogra Perfeita”, que tem produção da Paris Entretenimento, direção de Cris D´Amato e roteiro de Flávia Guimarães e Bia Crespo. Com distribuição da Paris Filmes e Downtown Filmes, o longa tem lançamento confirmado para 25 de novembro nos cinemas brasileiros.

A narrativa acompanha a história de Neide, personagem criada especialmente para Cacau Protásio: uma mulher batalhadora que venceu na vida e hoje é dona do melhor salão de beleza da Vila Cleyde, bairro fictício na Zona Leste de São Paulo. Desde que se separou de Jailson (André Mattos), ela busca viver intensamente sua vida de solteira, o problema é que seu filho mais velho, Fábio Júnior (Luis Navarro), nem pensa em sair de casa, o que a deixa muito chateada. 

A comédia "A Sogra Perfeita" é dirigida por Cris D'Amato - Revista Zoom  Magazine
A sogra perfeita moldando a sua nora perfeita / Reprodução

Próximo do aniversário de 45 anos, Neide embarca na ideia da melhor amiga, Sheila (Evelyn Castro), e decide encontrar a nora perfeita para que o filho se apaixone e, enfim, saia de casa, abrindo caminho para a tão sonhada liberdade. Ela escolhe a caipira e ingênua Ciléia (Polliana Aleixo), recepcionista recém-contratada do salão que acaba aceitando ser “treinada” por Neide para conquistar o garoto. Inicialmente, o plano é certeiro, até que algo sai dos eixos e o que parecia certo, pode não acontecer. Algo positivo na trama é ver uma protagonista negra, com curvas, de origem humilde que venceu na vida e é independente financeiramente. Porém, só isso não sustenta 01h45 de filme. Vemos que a produção se preocupou em incluir personagens LGBTs, mas isso é algo preocupante, pois alguns mal têm falas – o filho mais velho de Neide é gay e se ele falou duas palavras, foi muito -, e quando tem um papel significativo como Eddy, interpretado por Rodrigo Sant´Anna, a interpretação, a presença em tela é chata e quase um desserviço. É um personagem super caricato, o estereótipo do estereótipo que representa zero pessoas e passa uma visão muito exagerada.

Aqui percebemos que Neide está inserida na classe média contemporânea a partir de uma nova reconfiguração familiar: o ex-marido vive em outra casa, mas ambos tem um bom relacionamento dentro do possível, o filho mais velho mora com o namorado, enquanto o caçula já adulto se recusa a sair de casa devido a boa vida que tem: encontra tudo feito pela mãe. O roteiro é persistente ao citar inúmeras vezes o “leitinho” que o garoto Fábio Júnior (Luís Navarro) gosta de consumir, porém, podemos perceber a sátira em relação a infantilidade do garoto. Mas o erro está aqui nesta última parte, pois a mãe cansada de ser a empregada do filho, quer repassar o problema para a nora.

A Sogra Perfeita, filme com Cacau Protásio, ganha trailer e data de estreia
Luís Navarro é o caçula de Neide que não vê problema nenhum em permanecer na barra da saia da mamãe / Reprodução

Normalmente, a visão de sogra que temos é a imagem do ser responsável por infernizar a vida da nora ou do genro e é a que se encarrega de fazer com que o casal se separe, vide o longa de 2005 protagonizado por Jennifer Lopez. No entanto, como sociedade, devemos perceber que nem toda sogra é um pé no saco. São mulheres que querem ter a própria vida e isso inclui sexo, diversão, liberdade, independência e até um outro relacionamento amoroso se o anterior não tiver dado certo. A questão é que toda mãe não quer que o filho sofra, mas há um limite entre a realidade e a fantasia. Nenhuma esposa – que ideia absurda que o mundo tem de continuar chamando a mulher de mulher quando ela se casa e o homem se torna esposo ou marido, como se fosse um patamar acima, sabe?! – casa para ser “mãe” de marido. Por isso, muitas mulheres estão cansadas e decepcionadas com o comportamento machista não só do homem, mas também das mães que acham que a nora deve ser o espelho, a cópia fiel da sogra, mas não é por aí não.

Mas o maior problema da produção pesa aqui, pois apesar de se mostrar acolhedor e gentil em relação às diferenças, atitudes questionáveis insistem em ser reproduzidas aqui como moldar uma funcionária aos gostos do filho. Ela não terá preferências dentro desse relacionamento e a mudança, infelizmente, é cruel, pois ela deve ser bonita, honesta e boa de fogão, afinal, o “leitinho” precisa estar no ponto para e do jeito que o garoto gosta. E a moça aceita sem contestar ou reclamar, pois Neide está sendo tão boa pra ela. Será? Outra parte do problema é que esse garoto não cresceu? Alguém que já trabalha não pode levantar e fazer o próprio café sem ficar berrando a mãe que ainda está dormindo? Até quando ele será tratado como um bebe de colo? Essa mentalidade de homem que ainda não cresceu é bizarra. É, por isso, que existem muitos “marmanjos” folgados e preguiçosos e sim, a culpa é da mãe. Gente, quem tem filho barbado é gato.

Percebemos que durante o treinamento da jovem, outros aspectos podem ser identificados como abuso de poder, mexerico e exploração trabalhista na relação entre as duas, onde a “sogra perfeita” ensina a a menina matuta a se tornar a dócil doméstica servil com o título simbólico de nora. Então a liberdade da qual ela tanto goza é ineficaz, uma vez que ela reproduz e perpetua atitudes machistas dentro do lar. Algo estarrecedor é o marketing dos patrocinadores que se torna mais agressivo do que se estivesse em banners na internet como aconteceu com as várias cenas em que uma marca de xampu aparece, além de uma marca de carnes. Ok, o patrocinador está pagando, mas a publicidade não deve fazer parte do longa Publicidade é uma coisa e o cinema é outro. O resultado é algo constrangedor.

A Sogra Perfeita, com Cacau Protásio, une-se à Pantene - Cine61
O marketing foi bem agressivo / Reprodução

Mais um ponto negativo, é a insistência do texto em inserir piadas o tempo todo e em horas inapropriadas ou que não cabem. Não é necessário extrair risada a qualquer custo e a ineficiência do roteiro apela quase como se estivesse implorando, não valorizando de fato as situações que realmente são engraçadas. Além das cenas absurdas que não fazem sentido como uma pane no computador que não surte efeito e nem é retomado depois ou uma pipoca estourando é confundida com tiros numa sequência mal amarrada e de zero coerência. Fora as participações “surpresas” como a presença de Fábio Junior, a vizinha fofoqueira ou o fortão moreno faz tudo.

Esteticamente, o longa não surpreende em cometer mais erros. A montagem tem uma pressa que sai atropelando tudo. Acelera cortes fazendo com que o impacto da ação se perca. Logo após a apresentação de Ciléia a Fábio Júnior, a mãe empurra a moça para o quarto filho e ao ouvir alguns risos e outros sons, ela deduz que a menina já está se relacionando sexualmente com seu filho – mais um erro que é impossível de explicar. A passagem de tempo aqui também não funciona, o roteiro teve a cara de pau de ser preguiçoso. Para dar a impressão de que o tempo está passando, o casal de namoradinhos comemoram cada mês que estão juntos da seguinte forma: “Feliz dois meses!”, “Feliz três meses!” num parque de diversões, sugerindo o salto temporal sem trabalhar a fotografia para que realmente transmita essa sensação de tempo. Até que uma coisa ainda se sai bem, a escolha da trilha não é tão ruim quanto o contexto do filme. Mas só isso.

Por fim, A Sogra Perfeita cumpre de maneira razoável se você não for um espectador exigente. Sem muitos diálogos bons, com conflitos questionáveis, uma certa canalhice em entregar uma falsa desconstrução de valores, o longa fica isento de reações, de consequências, de boas resoluções. A trama terminou bem, mas não era bem isso que era esperado. A sensação que o filme passa é de que o seu público é ignorante a ponto de não perceber que tal obra , pois a produção tem uma amarração simplória e poderia ter se inspirado numa leitura mais revolucionária como A Boa Esposa, por exemplo. Levantando um assunto interessante como imagem estereotipada da sogra, longa tem um longo caminho a percorrer se for para gerar mudanças significativas no quesito machismo e domesticação da mulher em detrimento aos caprichos do homem.

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