Crítica | América Armada

A militarização da sociedade civil e os estragos causados pela violência

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Em 2005, o comércio de artefatos de fogo e munição para a população em geral foi alvo de grande mobilização popular. A sociedade foi às urnas e aproximadamente 59 milhões de pessoas manifestaram-se a favor do comércio sem restrições. Pelo menos 70% dos homicídios no país são por tiros. Dados retirados do Correio Braziliense.

Crítica | América Armada (2018): dolorosa constatação - Cinema com Rapadura
“Deus proteja esta casa” / Reprodução

A trama América Armada dirigida por Alice Lanari e Pedro Asbeg, reacendem um tema muito importante e atual: o armamento pesado de diversas polícias e a criação de milícias para oprimir a população marginalizada e somos apresentados a três núcleos que acompanham o trabalho incessante de três ativistas, um no Brasil, uma na Colômbia e outro no México.

o grande negócio da américa latina é a reprodução da violencia. – Fala do jornalista Heriberto Paredes

Somos apresentados ao jovem Raull Santiago, que nasceu e cresceu no Complexo do Alemão. Santiago é membro do Coletivo Papo Reto, com um celular e determinado, por meio de lives ele transmite as ações e abusos da polícia em sua comunidade. A colombiana Teresita Gaviria perdeu seu filho assassinado há dezoito anos, e, desde então, tornou-se militante do grupo Madres de La Candelária, que promove o encontro entre outras mulheres que estão na mesma situação que ela, com os assassinos presos de seus filhos e filhas. Já o mexicano Heriberto Paredes é um jornalista que, mesmo ameaçado de morte, acompanha a luta de grupos de autodefesa compostos por indígenas que resolveram pegar em armas para defender seus territórios e suas vidas contra o narcotráfico.

A questão da flexibilização ao porte de armas é um tema delicado e que precisa ser debatido constantemente. O número de registros de armas de fogo em poder de colecionadores, atiradores e caçadores no Brasil mais do que dobrou em 2020. Dados divulgados por uma publicação do G1, mostram comparação com o ano anterior, houve um aumento de 120%. Trata-se do modelo de registro usado por atiradores esportivos, como os pais da jovem que diz ter atirado acidentalmente na adolescente Isabele Ramos, morta com um tiro no rosto em um condomínio de luxo em Cuiabá no dia 12 de julho pela ‘amiga’. Apesar desse número alarmante, entraram em vigor nesta terça-feira (13) quatro decretos do presidente Jair Bolsonaro criados para facilitar o acesso à armas de fogo. Rosa Weber, ministra do STF, suspendeu treze itens nesta segunda (12) que torna sem efeito grande parte das mudanças decretadas por Bolsonaro.

América Armada”
Policiais cumprindo ordem na favela / Reprodução

No Rio de Janeiro, vemos a realidade do cidadão que vive nas favelas. Esse cidadão é posto à margem da sociedade e isso acontece de forma literal, pois o Estado fecha os olhos para as necessidades e direitos que foram negados a essa parcela, e esse mesmo Estado que não dá suporte é o mesmo que se mostra uma instituição autoritária e cruel transformando a vida dessas pessoas em realidades trágicas. E do outro lado, temos o crime organizado que é resultado de uma população excluída e sobrevivente das mazelas sociais. Nesse meio de campo, os moradores precisam lidar com o terror praticado pelo crime organizado e com a policia, que se mostra inimiga ao invadir residências e usá-las como ponto de ataque estratégico. O sistema aqui se mostra falido e falho, pois não consegue proteger seus moradores, desenvolve uma policia que suja a sua farda com sangue inocente e nem acaba com o crime organizado. O sistema é leviado na sua existência.

A GUERRA, ELA FICA PRA DENTRO DAS FAVELAS PORQUE AS DROGAS ESTÃO EM TODOS OS LUGARES. eNTÃO, NÃO É GUERRA ÀS DROGAS, É GUERRA AO POBRE – FALA DO ATIVISTA rAULL

Na Colômbia, somos apresentados a rotina diária de uma assistente social que perdeu o filho para a criminalidade, e isso a fez assistir a diversas mulheres em situações semelhantes – são as sequências mais emocionantes e de falas mais dolorosas do documentário. O fato de mostrar mães que perderam seus filhos, faz com que a assistente social no decorrer dos acontecimentos se mostre uma mulher forte diante das atrocidades vivida também por outras mulheres, e são situações que acrescentam camadas à luta dos colombianos para reaver os direitos à paz, segurança e prosperidade, como qualquer sociedade democrática deveria prezar e garantir a sua população. Aqui, vemos que a democracia se faz ausente e é ela a protagonista desse ciclo vicioso que destrói muitas famílias na Colômbia.

às vezes eu pergunto ao senhor: será que meu filho está vivo? Por favor, me dê um sinal. – Relato de uma mãe que perdeu o seu filho

O México é retratado pelas lentes de um jornalista. São as entrevistas marcadas pelo terror, já que o domínio pela milícia é fortemente amada e vemos que se faz presente em cada camada social e a dimensão que temos é uma falência social muito intensa. O jornalista que nos guia por essa realidade brutal, relata em suas falas a ameaças de morte que sofreu e que mesmo diante dessa possibilidade, ele não se rende ao medo. Assim como os indígenas que resolveram pegar em armas para defender seus territórios e suas vidas contra o narcotráfico, ele luta com sua câmera na mão.

mesmo sabendo que é ilegal um civil que faça justiça com suas próprias mãos, nós decidimos fazer – relato de um homem que defende o seu território

Percebemos que a câmera na mão é algo que acompanha os personagens reais desta terrível realidade e é de uma urgência tremenda, pois cada segundo é uma surpresa, não se sabe se um ataque vai começar, qualquer coisa pode acontecer num cenário de guerra declarada contra a população que está de mãos atadas. O ponto positivo da trama além das tramas abordadas, são seus personagens, os ativistas. Cada um com sua postura de combate, de coragem e compaixão mostram que ainda existem pessoas HUMANAS no mundo e isso em uma “América Armada”, é a resistência à violência que faz toda a diferença.

De forma recorrente, a obra questiona a violência que frequentemente é banalizada por aqueles que não sofrem e isso por a violência já ter um perfil, endereço, cor tudo certo. A violência sabe a quem ela está sendo direcionada, ela está sendo direcionada ao pobre, negro, de periferia. O longa nos ajuda a entender que o movimento das autodefesas existentes no México, a violência promovida pela expansão das milícias em solo brasileiro e a busca incessante das mães pelos seus filhos e filhas na Colômbia e outros parentes são realidades “espelho” entre os três países.

A partir do dia 25 de abril, o filme AMÉRICA ARMADA será exibido na Globo News – já está em cartaz no Now, Vivo Play e Oi Play.

Resumo
Nota do Thunder Wave
critica-america-armadaÉ um tema que precisa ser debatido. É uma produção tocante, emocionante e brutalmente dolorosa. O longa América Armada é mais que um documentário, é o retrato da realidade vivida por muitos e de forma clara, a sua mensagem é transmitida, a fotografia se atenta em capturar a realidade e trazer tonalidades diferentes aos países. Embora existam diferenças, aqui percebemos semelhanças.

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