Adaptar uma franquia de sucesso do passado para as audiências atuais. Acredito que já tenhamos visto esse filme antes. Talvez o estejamos vendo com bastante frequência, aliás. Essa abordagem tão controversa tem sido vista por muitos como um inegável sintoma da crise de criatividade que atinge Hollywood atualmente. Não bastasse isso, os resultados nem sempre alcançam as expectativas dos estúdios, oscilando entre grandes sucessos e resultados bem mais modestos. E muitas vezes isso é uma pena, pois essas releituras podem conter muitos méritos próprios, mesmo não sejam cópias idênticas das suas versões anteriores. É o caso de As Tartarugas Ninja: Caos Mutante.
A trama é a mesma que conhecemos desde os anos 80. Leonardo, Rafael, Michelângelo e Donatello são quatro tartarugas expostas a um composto químico radioativo que acada dando a eles uma forma (quase) humanóide. Criados nos esgostos por um rato mutante (também exposto à mesma substântica), eles aprendem artes marciais e têm curiosidade sobre o mundo da superfície, mesmo sabendo que a humanidade não está pronta para aceitá-los. Portanto eles buscam se tornar heróis para que sejam bem recebidos pela sociedade humana. Eles são ajudados por April O’Neil (aqui uma adolescente aspirante a repórter) em uma busca por um criminoso que revelará que eles não são os únicos mutantes no mundo.
Ou seja, estamos falando basicamente da mesma história das tartarugas ninja que conhecemos. Não há praticamente nenhuma mudança relevante no enredo. Isso significa que a série deve agradar tanto ao público mais velho quanto às novas gerações, certo? Na verdade, isso dependerá de qual parcela do público saudosista estamos falando. Embora não existam alterações significativas na trama, é possível que as adaptações no design de alguns personagens possam enfrentar alguma resistência da parcela mais saudosista dos espectadores que acompanharam as animações do quarteto esverdeado na infância (mesmo que nenhuma dessas mudanças tenha nenhuma influência no enredo ou na qualidade da animação).
Uma das principais mudanças está nas próprias tartarugas. As quatro tinham basicamente a mesma aparência nas animações dos anos 90, sendo diferenciadas basicamente pelas cores das máscaras que utilizavam e pela personalidade. Agora as diferenças físicas entre as tartarugas são visíveis, como o tamanho de Michelângelo ou os óculos de Donatello. O Mestre Splinter também está bastante diferente, parecendo menos um rato de quimono e mais um envelhecido pai de família (mas ainda um rato). Mas talvez a mudança que gere mais controvérsia seja a de April O’Neil. De uma curvilínea ruiva da animação dos anos 90, ela agora é representada como uma adolescente afrodescendente com sobrepeso Embora exista uma controvérsia quanto à representação étnica original da repórter nos quadrinhos, a versão atual pode enfrentar alguma resistência de alguns espectadores habituados ao que assistiam na televisão nos anos 90.
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Caso existam queixas quanto a isso será uma pena, pois essas pessoas estarão perdendo extremamente divertido. As Tartarugas Ninja: Caos Mutante é uma adaptação mais do que digna da franquia para os novos tempos, uma história cheia de coração e carisma que não foge em nada das aventuras antigas do quarteto amante de pizza. Cenas de ação frenéticas são intercaladas com um humor mordaz e atual, repleto de referências à cultura pop (que vão de Vingadores: Ultimato a Attack on Titan, passando por Curtindo a Vida Adoidado) e musicais (tanto atuais quanto dos anos 80 e 90, até mesmo contando com nada menos que What’s Up?, do 4 Non Blondes, e Push It To The Limit, de Paul Engemann, na trilha sonora).
A qualidade de animação beira o deslumbrante. Havia uma expectativa de que ela seguisse um padrão semelhante ao de Arcane ou da série Homem-Aranha: No Aranhaverso, mas a verdade é que elas são bem diferentes, fugindo da tentativa de realismo para apostar em algo mais cartunesco, ainda que visualmente impressionante e com momentos de tirar o fôlego. O cuidade nesse aspecto imenso, com personagens, cenários, expressões, movimentos e mudanças de perspectiva que nada deixam a dever à mais recente produção da franquia do herói aracnídeo citada acima.
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A versão apresentada à imprensa foi a dublada, e a equipe fez bonito. É nítido que muitas das piadas precisaram ser adaptadas para o português brasileiro, mas nada que soasse de maneira deslocada. Além disso, a grande maioria das tiradas da versão original parecem ter sido mantidos. Confesso que tinha curiosidade de conhecer a versão original também, que contou com as vozes de nomes como Jackie Chan, Seth Rogen, John Cena, Post Malone, Paul Rudd e Giancarlo Esposito.
O filme é perfeito? Obviamente não. Ele nem precisa ser, uma vez que seu público-alvo é majoritariamente infantil (mesmo que muitos adultos nostálgicos certamente estejam entre os interessados). É inegável que o roteiro corre um pouco em momentos que tudo poderia funcionar melhor mais desenvolvimento, mas nada comparado ao que acontece Super Mario Bros: O Filme. Algo que me incomodou a nível pessoal foi a ausência do característico humor de Michelângelo, dessa vez ofuscado pelo de seus irmãos.
As Tartarugas Ninja: Caos Mutante atualiza a franquia de forma bastante satisfatória, portanto. Por mais que alguns saudosistas possam encontrar motivos para críticas, o filme é perfeito para apresentar os personagens para as novas audiências. Está tudo lá, com fidelidade à trama e feito com esmero. Não é possível pedir mais do que isso da animação.