Crítica | Barbie

Longa mostra uma jornada sobre autoconhecimento, criticando aspectos negativos que o brinquedo da Mattel ajudou a enraizar

Como mencionado na crítica de Oppenheimer, o dia 20 de julho está causando um tremendo bafafá. É o dia em que tanto o longa dirigido por Nolan e o filme Barbie serão lançados. Não, ambos só têm a data de estreia em comum, pois são totalmente opostos um ao outro. A convite da Warner Bros., fomos assistir ao longa da boneca mais famosa do mundo que tem mobilizado fãs e não fãs da loira de plástico. Embora seja sobre uma boneca, a produção não é para crianças porque faz de sua protagonista, uma metáfora para representar o mundo que ela mesma ajudou a enraizar os estereótipos inalcançáveis de beleza e acentuar ainda mais o machismo estrutural.

Muitos têm dito que a Barbie de Greta Gerwig é o filme do ano. Realmente, em uma entrevista para a Architectural Digest sobre os cenários do filme, a diretora Greta revelou que insistiu que tudo tinha que ser rosa para manter a essência infantil que era o principal. Para a tarefa, a diretora contratou a designer de produção Sarah Greenwood e a decoradora de set, Katie Spencer.

“Eu queria que os rosas fossem muito brilhantes e tudo tinha que ser um pouco exagerado”, disse Gerwig, dizendo que ela não queria deixar de lado “o que amava na Barbie quando criança”.

Com a quantidade de tons pastél e rosa usados, como assim não é um filme para crianças? O longa que estreia dia 20 de julho de 2023, mostra uma boneca saindo da sua bolha e encarando problemas que nós mulheres do mundo real enfrentamos todos os dias como os relacionamentos tóxicos, o sexismo nas empresas e muitos outros. O longa da Warner Bros. promete ser empoderado e feminista, e é. Mas mesmo se propondo a criticar o machismo estrutural e os estereótipos de beleza, também comete erros.

Os primeiros minutos iniciais são decisivos para dar o tom da produção. O público se depara com um lugar pré-histórico e vemos um grupo de meninas tão gorduchas quanto suas bonecas bochechudas e fofas. Elas cuidam de seus brinquedos como se já fossem mães. No entanto, são surpreendidas por uma sombra que vem do céu. Essa sequência é claramente uma homenagem ao longa 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. No longa de Kubrick, vemos um monolito. No filme de Greta, vemos uma loira fatal, magra, de olhos azuis, num salto alto, trajando um maiô de listras brancas e pretas. Logo, ela pisca e com seu belo sorriso, desperta as tranquilas garotinhas. Elas ficam agitadas e uma delas pega sua boneca neném e sai quebrando tudo. É aí que a lavagem cerebral começa: pois, elas deixam de serem pequenas donas de casa para se lançarem no universo do trabalho que é tão insano quanto o trabalho domético. Se já é dificil ter a ajuda do marido ou do filho em casa, imagine como é o mercado de trabalho para uma mulher?

Crítica | Barbie 1

Com o “monolito” de plástico loiro, as pequeninas deixam de ser mães e se tornam médicas, jornalistas, escritoras ou presidente. O longa reproduz o famoso slogan da Mattel, fabricante da boneca, “tudo o que você quer ser”. E no longa, funciona muito bem porque a maioria dos homens são retratados como bobocas, disputando entre si a atenção da Barbie de Margot Robbie. Greta Gerwig reproduziu o nosso mundo em Barbieland, só que com as mulheres no comando, mas mesmo assim falhou porque as consequências da Barbie reverberam até hoje.

A primeira loira fatal e o “empoderamento” na era do capitalismo 

Crítica | Barbie 2

Em março de 1959, na Feira do Brinquedo de Nova York, a Barbie foi lançada por uma empreendedora, a Ruth Handler, cofundadora da Mattel. Tinha cabelos loiros, lindos olhos azuis e um corpo escultural. Foi um sucesso imediato e se tornou um ícone. Inspirada na própria filha, Bárbara (cujo apelido era Barbie – ahá!), que adorava trocar as roupas de suas bonecas de papel, mas não havia no mercado opções de pano ou plástico com feição de uma adolescente em que ela pudesse se inspirar, só de bebês. Observando essa deficiência no mercado, Ruth e seu marido, Elliot, lançaram a boneca no evento nova-iorquino. 

Desde sua criação, a Barbie busca reproduzir os aspectos de seu tempo, tentando ser atemporal sem ser. Uma boneca que troca de roupa, tem uma casa dos sonhos, um carro, um trailer, é influencer com direito a um perfil no instagram – @barbiestyle já soma mais de 2,5 milhões de seguidores e faz até publiposts -, nunca envelhece, não tem marcas de celulite, não tem cabelo afro e etc. O monolito loiro fatal que apareceu para as pequeninas do filme, está sobre a nossa cabeça, das mulheres do mundo real, há muito tempo e é por isso que o longa da Barbie deve ser visto com atenção: ele até tem momentos que enfatizam o empoderamento feminino, mas o longa em si funciona quase como uma publicidade para o brinquedo mais famoso do mundo. 

Uma matéria publicada pela Revista PEGN, de 2017, mostrou que a Mattel, após divulgar os resultados trimestrais abaixo do esperado pelo mercado, a companhia viu suas ações fecharem em queda de 13,57%.  Naquela época, os números divulgados mostraram que a empresa perdeu US$ 133,2 milhões no primeiro trimestre, o equivalente a um prejuízo de US$ 0,33 por ação — maior que os US$ 0,17 esperado por Wall Street. Já as vendas recuaram 15,4% no mesmo período, a US$ 735 milhões, também abaixo da projeção do mercado. Com isso, os papéis da companhia perderam 6% no pregão eletrônico após o horário normal de funcionamento na quinta-feira.

As vendas continuaram fracas até o fim daquele ano e a nova diretora executiva percebeu, Margo Georgiadis, que tinha um grande desafio pela frente. A ex-executiva da Google entrou na fabricante de brinquedos em fevereiro e começou a buscar revigorar marcas como a Barbie — cujas vendas encolheram 13% de janeiro a março. Dentre as medidas adotadas, a companhia viu sua popularidade aumentar após lançar modelos com diferentes cores de pele e tipos de corpo. Mas mesmo assim, as vendas enfraqueceram no Natal, e caíram 2% no trimestre.

Uma publicação do Valor Econômico de fevereiro deste ano, fala sobre os lucros do carro-chefe da Mattel. A fabricante de brinquedos reportou lucro líquido de US$ 16,1 milhões no período, ante US$ 225,8 milhões informados no mesmo período do ano anterior. Para contornar as quedas nas vendas, novamente a diversidade e inclusão teve papel importante para restaurar a imagem da Barbie. 

Mas no longa temos diversas Barbies, sim, temos. O longa de 2023, dirigido por Greta Gerwig (conhecida por Adoráveis Mulheres), que também assina o roteiro ao lado de Noah Baumbach, Barbie nos apresenta algumas versões famosas, (umas na ativa, outras descontinuadas como bem menciona o filme) criada por Ruth Handler, uma das fundadoras da Mattel. Além da Barbie Estereotipada de Margot Robbie, vemos a Barbie presidente, a Barbie grávida, a Barbie médica, a Barbie sereia, a Barbie diplomata, a Barbie juíza, a Barbie prêmio Nobel, a Barbie autora e etc. São atrizes e cantoras negras, pardas e brancas, magras e gordas, indicando que há diversidade e inclusão ali, assim como no catálogo da sua fabricante. Mas são rostos conhecidos como o de Dua Lipa, por exemplo, que representa uma bela boneca. Será mesmo que a diversidade existe?

Crítica | Barbie 3

Entenda, eu não estou criticando o longa em si, me diverti muito até. Mas a questão é que a Barbie (filme) é só mais um produto. Juro para você, caro leitor, que eu nunca vi um filme mobilizar tanta gente com pelo menos um item cor-de-rosa numa cabine de imprensa. Achei que faltaria até lugar na sessão devido a quantidade de pessoas ali presentes. A crítica é a respeito das consequências duradouras que a boneca lançada em março de 1959 lançou sobre nós. Se a Barbie juíza vai trabalhar, quem fica com o filho dela? Como a Barbie que mora debaixo da ponte pode sonhar em ter uma Dreamhouse se o que ela mais quer no mundo é ter um teto que não alague nas chuvas de janeiro? 

Você já parou para refletir sobre as modelos que desfilam em Milão, que desfilam nas semanas de moda de Nova York ou Paris? Elas não são magras, são anoréxicas. Qual o padrão de protagonistas das novelas da Globo? Marina Ruy Barbosa e Camila Queiroz, ambas modelos, lindas, altas, magras, com corpos esculturais. É esse o modelo de beleza que buscamos incessantemente e que a boneca ajudou a enfatizar. Estamos na era fitness, na era em que se rola o feed no instagram ou no tiktok e vemos como fazer biscoito ou panqueca de banana com farinha de aveia, mas nos desesperamos se não entramos numa calça 36 ou se o creme de antissinais acaba antes de completarmos 20 anos. A Barbie do longa tem horror a celulite e como não teria? Se ela é de plástico e até hoje a sua fabricante não lançou nenhuma com rugas, olheiras ou estrias. E ainda assim, ela quer ir para o mundo real resolver o que quer que esteja acontecendo com a garota que brinca com sua versão de plástico para que ela possa voltar para a Barbieland e ter seus pés curvados novamente. Se os problemas das mulheres se resumissem à “noite das garotas todas as noites” e a “pés chatos”, o mundo poderia ser cor-de-rosa.

Mas, calma!!! O longa não é ruim, tem pontos interessantes

Saindo da crítica pesada, podemos ver que há aspectos importantes que a produção aborda, como a relação entre mães e filhas que muitas vezes enfrenta muitos desafios. As adolescentes sabem ser chatas e cruéis quando querem. O longa nos apresenta uma mãe e sua filha que não estão num bom momento, mas que com o aparecimento da boneca loira no mundo real, elas se unem para ajudá-la a consertar o seu mundo cor-e-rosa. 

Outro ponto muito importante é a busca pela jornada feminina que a Barbie precisa passar para enxergar além daquilo que ela se permite ver. Quando a Barbie Estranha a apresenta duas opções, um salto versus uma birken – lembrou de Matrix, né?! -, foi um convite para uma jornada de autoconhecimento. Na Barbieland, as personagens lideram, dominam e através da direção de Greta, percebe-se que se o mundo real fosse dominado por mulheres, não estaríamos melhor e sim, satisfeitas por um curto tempo. 

É aqui que o Ken, “apenas Ken”, entra

Crítica | Barbie 4

O personagem de Ryan Gosling poderia ser descartado, mas ele teve o seu arco desenvolvido no sentido de que ao não se sentir desejado pela personagem de Margot Robbie, ao não conseguir dizer a ela sobre seus sentimentos, ele conseguiu representar muito bem os homens do mundo real. Além disso, uma sacada genial da produção foi discutir o mercado de trabalho como ele exatamente é: corrupto. As falhas de homens em cargos de liderança é representado pelo boneco loiro descobrindo que para conseguir uma posição de visibilidade, ele só precisaria de um MBA, uma pós-graduação ou algum curso de treinamento para a profissão que deseja seguir. Fácil, né?

Enquanto o Ken não quer ter trabalho para conseguir uma posição de destaque, a Barbie quer conhecer a “presidente da Mattel”. Mas quase caí para trás quando a diretoria da sua fabricante reproduz um sonoro “não” e afirmam que apenas homens são os responsáveis por todas as áreas da empresa. Pensando nisso, quantas mulheres são CEOs no Brasil? A participação das mulheres nas presidências das empresas brasileiras subiu para 17% em 2022, quatro pontos percentuais acima dos 13% registrados em 2019. Os dados fazem parte de estudo realizado pelo Insper e o Talenses Group, da área de recrutamento, com 381 empresas no país. Você pode ler mais em Valor Econômico.

“Life in plastic it’s fantastic”, não é, Barbie?

Mas é com Glória, personagem de America Ferrera, que o longa ganha um sentido, um pouco de humanidade real. America representa meninas como eu e como você, que não tem o corpo escultural ou os cabelos sedosos e dourados da boneca de plástico. Ela representa a minha mãe, ela é uma mãe também, ela é uma mulher que precisa se desdobrar em mil para dar conta de tudo. Em uma entrevista para a Los Angeles Time, a atriz norte-americana comenta sobre a sua relação com o brinquedo da Mattel. “Eu realmente não me lembro do mundo da Barbie ressoando comigo”, diz Ferrera. “Imagino que seja porque não me senti muito representada ou refletida por ela. Nunca em um milhão de anos imaginei que faria parte de um filme da Barbie. Eu era a garotinha que não se via na cultura dominante ao meu redor e sei o quanto é importante se sentir vista.”

A atriz protagonizou uma das cenas mais lindas e empoderadas do filme. Não vale o spoiler.

Crítica | Barbie 5

I´m a Barbie Girl!

Atualmente discussões como machismo estrutural, masculinidade tóxica, sexualização e objetificação dos corpos femininos e muitos outros temas tem se tornado recorrente e tem uma crítica a isso no longa também. Enquanto a boneca de Margot se sente desconfortável com as ofensas – não são cantadas, ok?! – e olhares, Ken se sente admirado e adorado (lógico, o boneco de plástico enxerga a mulher como um troféu a ser exibido e que só valoriza a beleza… o que você esperava?!). Logo, ela leva um tapa no bumbum e revida com um belo soco. Mas nem sempre foi assim.

Uma banda, criou uma canção sobre a vida luxuosa e fútil que a boneca mais famosa do mundo disseminou. Na interpretação de Barbie Girl, do grupo Aqua, vemos que a música não homenageia a boneca e faz uma crítica sobre o domínio do corpo feminino, a submissão, os estereótipos, aos ideais de beleza e o machismo: “Você pode escovar meus cabelos/Me despir em todo lugar/Com imaginação, minha vida é sua criação”. Esse trecho mostra o quão submissa a boneca se mostrava ser devido a sua relação com Ken. Me questiono se a versão de Kelly Key teria o mesmo propósito. Mas lendo a letra, vejo que ela não entendeu a real mensagem da canção original.  “Você pode me ganhar/É só fazer/O que eu mandar”. Ela se acha exigente, mas no final… não está no controle de nada.

Nota do Thunder Wave
Barbie é um longa importante porque debate a vida perfeita vendida pela boneca criada por Ruth Handler. O longa se mostra nostálgico ao passar pelo catálogo de bonecas da Mattel, as ativas e as descontinuadas. Com uma direção e roteiro bons, a obra consegue fazer boas críticas e piadas interessantes. Mas não apaga as consequências desastrosas que a loira fatal, de olhos azuis, cabelos dourados, num maiô listrado, com longas pernas e corpo escultural causaram as mulheres que vivem no mundo real. Reitero que Margot Robbie e Ryan Gosling nasceram para interpretar Barbie e Ken nas telonas e Greta fez um bom trabalho. No entanto, é preciso prestar atenção nas entrelinhas. Afinal, a vida de plástico é perfeita, não há celulite nem lágrimas.

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