Finalmente a mais recente versão de Duna está chegando aos cinemas brasileiros. Adaptação cinematográfica da obra literária de Frank Herbert, a atual leitura de Dennis Velleneuve veio à luz cercada de dúvidas, principalmente a respeito de seu desempenho nas bilheterias em um mundo ainda tentando se reerguer de uma pandemia global, mas também pelo histórico de suas outras tentativas de representação nas telas.
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A primeira delas, dirigida por David Lynch, ainda que tenha se tornado um clássico cult para alguns, amarga uma recepção muito mais negativa do que positiva, inclusive pelos leitores da obra original. A minissérie em três partes, lançada em 2000, é melhor avaliada, mas também é pouquíssimo lembrada hoje em dia. Por isso uma terceira tentativa acabou trazendo muita expectativa, mas também receio, sobre se a complexidade do trabalho de Herbert poderia realmente ser transposta para outras mídias.
A versão de Villeneuve de Duna é certamente superlativa em praticamente todos os aspectos. Ela nitidamente foi feita para ser vista no cinema, com sua escala típica de filmes épicos, fotografia espetacular, cenas grandiosas e uma trilha sonora que é, provavelmente, um dos melhores trabalhos do gênio Hans Zimmer (o que não é pouca coisa). Villeneuve claramente buscou uma abordagem distinta do que tornou Blade Runner 2049 tão controverso (mesmo que o filme tenha conseguido 2 oscars) e se concentrou em dar aquilo que a maioria do público queria: um épico cinematográfico baseado em uma das grandes obras da ficção científica mundial.
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Nisso ele não falha em praticamente nada. As principais referências que o público geral (isto é, que não leu os livros) terá serão O Senhor dos Anéis e Star Wars, e isso é um excelente motivo não apenas para conferir esse gigantesco trabalho, mas também para torcer para que a continuação (ainda não confirmada pela Warner) seja produzida (porque, apesar de tudo o que se vê no início, Duna definitivamente não é O Senhor dos Anéis ou Star Wars).
Obviamente, adaptações precisaram ser feitas para a transposição de Duna para as telas. Apesar de haver um esforço para omitir o mínimo possível e se manter fiel à obra, é perceptível o quanto as sequências de ação receberam uma ênfase maior, dando ao filme um ritmo constante e emplgante, onde mal se percebe a duração de quase três horas.
Aliado a isso, o excelente uso dos seus efeitos especiais e a espetacular fotografia tornam Duna um deleite visual, algo que realmente enche os olhos (e os ouvidos, pois nunca será demais lembrar do trabalho de Hans Zimmer aqui). Claro, para dar todo esse enfoque à grandiosidade visual e a ação, foi necessário sacrificar algo do enredo, e por isso parte do público pode sentir falta de uma explicação mais elaborada sobre quem são estes ou aqueles, ou mesmo achar a trama corrida demais. Mas é possível dizer que o principal foi mantido. A “especiaria”, o planeta Arrakis, as Bene Gesserit, a política do Império, as várias referências islâmicas nos Fremen, os gigantescos vermes Shai Hulud, está tudo lá para os fãs.
O elenco cheio de estrelas também foi um grande acerto. Timothée Chalamet é um ótimo protagonista, embora seja muito importante que a sequência seja concretizada, uma vez que, apenas pelo primeiro filme, a impressão que o público terá sobre Paul Atreides pode ser bastante equivocada, ainda que dificilmente passe despercebida por pessoas mais atentas (ou que conhecem o livro, obviamente).
Rebecca Ferguson definitivamente é um destaque como Lady Jessica Atreides, pois está absolutamente fantástica no papel. Oscar Isaac, como o Duque Leto Atreides também entrega um excelente trabalho, apesar de que o público provavelmente sentirá falta de mais sobre personagem. Josh Brolin (Gurney Halleck) e Stellan Skarsgård (Barão Vladimir Harkonnen) não decepcionam e nem haveria como esperar mais deles, pois não houve tempo de tela o suficiente para desenvolver melhor os personagens.
Dave Bautista (Glossu Raban) e Jason Momoa (Duncan Idaho) entregam, bom, exatamente o que se esperaria de Dave Bautista e Jason Momoa, nem mais, nem menos, mas apropriado. Os demais personagens tem menos tempo de tela ainda, e entendo que não havia como trabalhar tudo, mas me parece um desperdício ter nomes como Charlotte Rampling (como Gaius Helen Mohiam, a Reverenda Madre das Bene Gesserit), Javier Bardem (como Stilgar) e tantos outros em papéis que poderiam ser melhor desenvolvidos. A própria Zendaya teve pouco a mostrar como Chani, mas é algo que deve ser corrigido na sequência (se ela for confirmada).
Pontos fracos? Obviamente, para a transposição de uma mídia para outra, são necessárias certas adaptações, algumas das quais podendo incomodar tanto aqueles que conhecem a obra original quanto os que são recém-chegados. Para os primeiros, a ênfase dada na ação e a supressão de algumas informações sobre determinados pontos da trama (que são abundantes na obra na original) podem trazer alguma decepção.
Para os demais, essa mesma ausência de explicações pode deixar alguns confusos, sem saber quem são determinados personagens ou como chegaram a aquele papel na história. Para ambos, essa mesma ênfase que dá esse ritmo frenético ao filme pode ser vista como tornando o enredo um tanto linear, corrido e menos complexo do que poderia ser (como o é nos livros). Além disso, um perigo adicional está em como o filme termina (que é apropriado para quem conhece a obra original, mas pode parecer estranho para quem não).
Como a Warner ainda não confirmou a produção da sequência, a impressão de “história inacabada” pode ficar para aqueles que ignoram que sequer o primeiro livro foi adaptado na íntegra. Ainda mais, pode dar uma ideia errada sobre o tom da história e o que ela deseja passar, uma vez que muito do que foi retratado ali se inverte profundamente na segunda parte da história.
Porém, o saldo final é muito mais positivo do que negativo. Poucos dos poréns apontados serão levados em consideração pela maior parte do público, que com certeza se deslumbrará com a gigantesca escala da obra, seus personagens envolventes, o desenvolvimento do cenário, a beleza da fotografia, suas grandes reviravoltas, o andamento da trama, e suas cenas espetaculares.
Nitidamente Duna foi feito para isso. Seu roteiro mantém o essencial da obra original, e isso também basta para ser digno de elogios. O que foi omitido certamente deixará aquele gosto de “quero mais” para quem sentir falta, mas os livros estão aí para isso. Para a parte do público que leu o original de Frank Herbert, talvez a falta de alguns detalhes e explicações incomodem um pouco mais, mas não há como negar que essa é a melhor adaptação que Duna recebeu até hoje. E espero, sinceramente, que a continuação veja a luz do dia em breve.