Cometi a burrice de ir assistir ao longa sem checar a sinopse direito. Quando li o título e os nomes que fazem parte do elenco, não prestei atenção em mais nada e só fui. O longa que eu pensei que seria, numa pegada cômica, divertida e até romântica, na verdade é totalmente o oposto. É um longa que mescla terror, suspense e uma pitada de comédia ácida. Mas o que surpreendeu mesmo foi a crítica social que o longa faz. O Menu é deliciosamente brutal, uma pena que o seu desfecho tenha ficado abaixo das expectativas.
O longa inicia com um casal, Margot (Anya Taylor-Joy) e Tyler (Nicholas Hoult) viajando para uma ilha costeira no noroeste do Pacífico para comer em um restaurante exclusivo, o Hawthorn, onde o recluso e mundialmente famoso chef Julian Slowik (Ralph Fiennes) preparou um generoso menu de degustação para convidados especialmente selecionados.
Além do casal, somos apresentados ao trio de amigos Bryce (Rob Yang); Soren (Arturo Castro) e Dave (Mark St. Cyr); um casal rico mais velho e clientes recorrentes, Anne e Richard (Judith Light e Reed Birney); a renomada crítica de restaurantes Lillian Bloom (Janet McTeer) e seu editor de revista Ted (Paul Adelstein); assim como uma famosa estrela de cinema de meia-idade (John Leguizamo) com sua assistente Felicity (Aimee Carrero).
Todos ao chegarem à ilha, são recepcionados pela hostess Elsa (Hong Chau) que tem as palavras na ponta da língua e não deixa passar nada. A tensão começa a crescer à medida que a noite vai caindo. Algo muito interessante é que ninguém faz ideia do propósito de cada ser presente ali. A cada prato servido, segredos obscuros são revelados. Os acontecimentos começam a ficar mais intensos e violentos, e o objetivo de Slowik começa a estremecer os clientes à medida que fica evidente que o cardápio elaborado foi pensado para se vingar de algo.
O salão opressor

O jantar acontece num salão grande, minimalista com selo de luxo. É nesse ambiente que a degustação é uma espécie de “Jogos Vorazes”. Bizarro ou não, o estado de espírito melancólico do Chef interpretado por Fiennes é representado por esse salão. Esse ambiente com tons escuros nas paredes transmite uma sensação de medo, preocupação e até mesmo de opressão, já que tudo que sentimos é o oposto de alegria e felicidade que uma refeição poderia transmitir.
Uma particularidade é que os funcionários da cozinha são extremamente doutrinados e dedicados, quase como servos do Chef e num nível assustador. No entanto, é aí que percebemos o poder de uma “doutrina” e como ela exerce poder sobre aqueles que a seguem. Percebemos que a meta do diretor Mark Mylod (Succession e Game of Thrones) transforma a cozinha do Chef em um ambiente onde a experiência da arte é objeto da proposta do autor e da recepção do apreciador, que é quem complementa a obra de forma literal. É uma crítica ao modo como consumimos a arte de modo geral e como isso impacta o criador, a criação e o consumidor.
Crítica social
O Menu consegue de forma ácida e irônica, tecer críticas sobre como os ricos não tem um pingo de profundidade e cujas necessidades são impossíveis de serem saciadas. A superficialidade tomou conta das nossas realidades e a forma como o longa traz isso se assemelha com o mundo das redes sociais de hoje em dia. Outro ponto que reforça o abismo social em que estamos imersos é que a experiência proposta pelo Chef Slowik e sua equipe estranhamente obediente seguem à risca o menu pensado e regado com doses de crueldade, arrogância, desprezo e sangue.
Elenco de milhões e fotografia

Que elenco! Anya Taylor-Joy é uma das atrizes mais talentosas de sua geração e da atualidade. Todos os seus projetos tem um selo de qualidade que poucos talentos de Hollywood conseguem transmitir. Ela conquistou o público com seu timing perfeito para o terror e suspense visto em A Bruxa, passando por Fragmentado até chegar em O Gambito da Rainha, Anya conquistou um currículo brilhante repleto de sucessos.
E a personagem de Anya é o ponto fora da curva, pois enquanto todos ali tem uma espécie de “dívida” com o Chef, a atriz está mais para a ‘outra” que consegue desestabilizar e frustrar o personagem de Fiennes que está muito bem em seu papel que pode interpretar qualquer personagem, mas a sua veia artística sabe como entregar um bom vilão. A sutileza maléfica do Chef lembra ao conhecido Lord Voldemort.
Já o personagem Tyler, o cara desprezível, chato, pomposo e um tanto arrogante que o ator Nicholas Hoult – infelizmente, tem se habituado a interpretar em produções como The Great -, é o exemplo verdadeiro da pessoa que usa o seu conhecimento para humilhar e inferiorizar quem não possui tanto conhecimento assim. Vendo as cenas do rapaz, percebemos que é esse tipo de gente que faz com que as outras nem queriam conhecer determinado assunto, pois a forma que o personagem aborda cada prato é chata e isso também afeta a paixão do criador que vê sua obra sendo diminuída e diluída por pessoas que só querem se aparecer. No entanto, são pessoas como Margot que fazem com que a arte não morra, pois são questionadoras e apreciadoras da forma mais genuína da arte: a arte é para ser sentida e não acompanhada de uma Wikipédia descritiva com falas aborrecidamente arrogantes.
O desfecho frustrado
Em O Menu o final não entregou exatamente aquilo que era esperado desde o começo. Porém, dado acontecimento que choca a quem assiste pela brutalidade da cena que acontece de forma prematura, faz com que o restante do longa se contente com acontecimentos mais mornos. Depois uma breve empolgação é retomada pelo embate entre Margot e Slowik e se mostra bem fora da caixinha, pois ninguém espera pela cena, mas morre ali.
Por fim, o longa consegue surpreender porque sai da mesmice que muitos filmes do gênero se entregam. A violência, a delicadeza (pratos lindos), a comédia ácida e arte são bons ingredientes do longa que o faz ser visto como diferente. O Menu é uma das obras mais interessantes do ano e é tudo que a produção Midsommar não conseguiu ser. E isso reforça que para ser um bom filme de terror e suspense, nem sempre a receita é a mesma.