Antes de falar sobre O Pacto, talvez seja de bom tom utilizar algumas linhas para falar sobre Karen Blixen. É possível que esta escritora dinamarquesa não seja agora um nome tão conhecido como já o foi. Blixen se tornou famosa principalmente pelo seu livro, A Fazenda Africana, baseado no período de sua vida em que viveu no Quênia com seu marido, gerindo uma plantação de café. Três décadas depois, essa obra serviu como base para o filme Entre Dois Amores, dirigido por Sydney Pollack e estrelado por Meryl Streep e Robert Redford, recebendo sete óscares na premiação da Academia de 1986. Apresentações feitas, podemos retornar ao filme de 2021, dirigido por Bille August (vencedor em Cannes por As Melhores Intenções). Embora Blixen seja uma das suas protagonistas, é preciso dizer que a história nele representada ocorre muito após esse período na África.
A trama de O Pacto se foca na relação entre a escritora e o poeta Thorkild Bjørnvig, cuja autobiografia serviu de base para o roteiro do filme. Quando ela o conhece o poeta, 30 anos mais jovem, acaba por lhe oferecer a oportunidade de guiá-lo através de sua carreira, não apenas auxiliando-o a aprimorar sua escrita, mas também promovendo seu nome junto aos membros da alta sociedade, desde que ele aceitasse um pacto de obediência incondicional a ela. Quando o jovem aceita a proposta, vê-se cada vez mais enredado em um jogo de promessas e manipulações, enquanto seu casamento e vida pessoal lentamente desmoronam.

A atmosfera do filme se move do drama ao suspense, chegando a flertar com o realismo fantástico e até com o terror (quando se sugere a influência de um outro pacto que a escritora teria feito anteriormente, este com o próprio Diabo; ou quando também é aventada a possibilidade de uma maldição por ela proferida ser a causa de um acidente que Thorkild sofre na sua casa), enquanto a presença e a possessividade opressoras de Blixen sobre Thorkild e sua família aumentam. Vale dizer que, embora o roteiro tenha sido baseado em fatos, ele toma algumas liberdades na construção de sua trama, inclusive trazendo algum peso a tais possibilidades fantásticas (mas não o bastante para confirmá-las).
Essa atmosfera insólita do longa, bem como suas constantes investidas na direção de temas que, embora sugeridos, não chegam a se concretizar, faz a narrativa oscilar bastante entre o drama e o suspense, por vezes chegando a flertar com uma forma menos fantástica do pós-terror contemporâneo (mais próximo de O Sacrifício do Cervo Sagrado, de Yorgos Lanthimos, do que de A Bruxa, de Robert Eggers, por exemplo), mas sem realmente abraçá-lo, mantendo seu foco na realidade. Birthe Neumann traz uma presença poderosa como Karen Blixen, e é de longe o maior destaque do elenco. Simon Bennebjerg entrega o possível como Thorkild Bjørnvig, mas acaba pairando no ar se falta força à sua interpretação, ou se era a intencional mostrar o poeta como alguém tão apático.
Contudo, a produção tem bastante sucesso em criar o seu tom, que passa bem pelo drama, intriga e suspense, e até flerta com outros gêneros. O filme, no final das contas, é apenas parcialmente biográfico, mas talvez seja justamente essa a razão de ele ter sido bem sucedido em criar o seu clima opressivo. O Pacto foi vencedor no Beijing International Film Festival de 2021, nas categorias de Melhor Roteiro e Melhor Atriz Coadjuvante, tendo sido indicado também ao prêmio de Melhor Filme.
Se tem algo que realmente interessa o diretor, são os momentos que abordam essa pressão interna entre certo e errado que acompanha tanto as decisões de Bjørnvig, quanto de Blixen. Não é à toa que o longa brilha nessas passagens, brincando com a linguagem cinematográfica para entregar planos que passeiam por expressões faciais, flertam a iluminação de forma curiosa e transmitem sentimentos que nem sempre são externados.