Estamos consumindo informações 24 horas devido ao novo COVID19. E muito tem se falado a respeito da importância de ficarmos em nossas casas, nos protegendo, protegendo ao próximo. No entanto, muitos alertas surgiram e se de um lado o isolamento social poupa nossas vidas “físicas”, como ficam nossas vidas “mentais”? Uma vez que, muitas pessoas sentem angústia, tristeza, sofrimento, ansiedade… Se sentem inquietos e descrentes de uma possibilidade de melhora. Por mais que os motivos sejam diferentes, a arte imita a vida, e Por Lugares Incríveis aborda as relações humanas, os sentimentos, a felicidade por ter alguém e o sofrimento de perder alguém.

A sinopse de Por Lugares Incríveis diz “Dois adolescentes que enfrentam lutas pessoais formam um vínculo poderoso quando embarcam em uma jornada catártica que narra as maravilhas de Indiana” e sim, isso de fato acontece. Mas, o novo longa recém lançado pela Netflix vai além do entretenimento, presta, mesmo que de forma sútil, serviço aos seus telespectadores. Precisamos falar sobre transtornos mentais, depressão e suicídio.

*Aviso de gatilhos: Como é uma adaptação que aborda temas delicados, tome cuidado ao assistir, ao ler o livro e até mesmo as críticas, uma vez que, esses gatilhos podem ser acionados.

Baseado no best-seller escrito por Jennifer Niven, a trama apresenta a história de Violet Marker e Theodore Finch, que se encontram em uma situação inusitada e acabam transformando um ao outro. No tempo em que estão tentando superar suas lutas internas, Violet e Finch se aproximam e descobrem que os momentos mais simples podem ser mais significativos e inesquecíveis. Logo no começo, é apresentada a jovem Violet, que perdeu a irmã e que se encontra num estado “inerte”, onde tudo o que acontece na sua vida é indiferente, é como se ela apenas observasse a sua existência e ela chega num nível que ela não quer mais isso. Ela se encontra no parapeito, na ponte… Profundamente amargurada.

Nesse momento, é introduzido o menino de sorriso largo e de olhar cansado… Theodore, alguém que achamos ter a vida perfeita… Ele é alegre, aventureiro, empático, engraçado. Porém, nem sempre o que uma pessoa deixa transparecer é o que de fato se sente. A alegria dele esconde o caco que está a sua mente e ele, somente ele sabe disso, dessa inconsistência… a cicatriz que ele carrega no corpo é tão pequena em comparação com os monstros internos que o assustam. Mas, mesmo quebrado internamente, ele tenta ajudar Violet a não desistir. Evitar que uma pessoa pule da ponte, ficar com ela até que ela se sinta minimamente bem, significa muito mais do que um simples ato de compaixão.

Relações humanas, sejam amizades, profissionais ou amorosas, demandam responsabilidade e compromisso. O fato de se importar com o próximo vai além de perguntar se está bem ou se precisa de algo. É necessário compreender que transtornos mentais são sérios e que sim… podem matar. Não adianta dizer que tudo vai ficar bem e assistir de camarote o definhar alheio. Precisamos apoiar e realmente estar ao lado de quem precisa. No decorrer da trama, é dado uma tarefa em dupla onde terão que conhecer as maravilhas de Indiana e com muita resistência, Violet acaba fazendo com Finch e eles começam a se aproximar, a entrar um na intimidade do outro e se relacionando. Ele se impressiona a todo momento e tenta fazer com que Violet saia da bolha em que ela está. E dá certo, eles passam muito tempo juntos, fazem coisas juntos, se divertem… enfim, é um recomeço, uma cura gradual do estado de fragilidade de Violet. No entanto, Finch está se afundando em algo que é mais complexo do que o estado da amada. Embora ela ache que tem algo errado, que tem algo fora do lugar, ela demora em perceber o que está acontecendo com ele e infelizmente isso acontece na vida real e é essa demora que causa catástrofes que não deveriam acontecer.

“Às vezes, fico num vazio. Eu entro num clima sombrio e penso rápido demais para perceber qualquer coisa, e então é como se todos os meus pensamentos sumissem de uma vez” – Finch

Não é apenas Finch e Violet que lutam diariamente com seus monstros internos. Amanda, a melhor amiga de Violet, tem uma vida perfeita, mas tentou se matar mais de uma vez… A vida postada nas redes sociais não é a realidade. Os traumas do passado, o convívio escolar, a relação com a família e amigos é algo que é muito importante na hora de abordar esses temas. Se por um lado, temos duas personagens, com famílias amorosas, com praticamente tudo indo bem e por outro, temos um garoto que tem apenas a irmã mais velha, pois a mãe nunca está presente e o pai os deixou para seguir outros caminhos, ou seja, uma vida conturbada, isso prova o quão importante é entender que transtornos mentais, suicídio, depressão podem afetar qualquer um… independente de ser rico ou não, mulher ou homem, negro ou branco, somos nós quem enfrentamos nossas lutas internas mascaradas por um sorriso, porque é difícil admitir numa sociedade tão superficial que não estamos bem, que não conseguimos sorrir. O mundo de hoje, não perdoa quem está deprimido… é só frescura, não é?

Não é só um romance. Parece que o foco é a Violet e a superação de seus problemas que são importantes e o Finch é uma peça dessa engrenagem que serve apenas para contar uma história bonita no fim… como se a Violet não tivesse enxergado que ele estava doente, mas não. Ele não quer que ela conheça esse seu lado e quando alguém se aproxima e ele sente que vai ter uma crise, ele some, foge, se isola, fica sem falar com as pessoas por dias e as pessoas estão tão acostumadas com isso que acham normal e em uma determinada cena, Violet fica preocupadíssima e não acredita que as pessoas achem essa atitude de Finch comum. Complexa é a cena em que Finch conversa com sua irmã no bar onde ela trabalha. Ali, percebemos que o tempo todo, mais do que salvar a amada Violet de suas dores, Theodore deseja salvar um outro alguém, e se pudesse salvar essa pessoa de suas escolhas erradas, ele também poderia encontrar o caminho de paz e tudo isso iria passar… O final de Finch é dolorido, não tem volta… é a cena mais dolorosa e nos lembra do quão importante é falar sobre depressão, suicídio, transtornos mentais que continuam sendo tabu na sociedade.

Crítica | Por Lugares Incríveis 1
Cena em que Finch está distante e ninguém parece notar / Netflix

A produção conta com um elenco maravilhoso, principalmente os protagonistas Elle Fanning e Justice Smith, que estão ótimos em seus personagens. A interação, a química entre eles é formidável. É tão real a dor e angústia que Elle demonstra na tela a irreverência e a descontração viva em Justice, que nos presenteia com uma real atuação nas variações de humor que seu personagem tem. A trilha sonora é um deleite para os ouvidos. Keegan DeWitt, encarregado de colocar o telespectador dentro da trama com uma trilha sonora melancólica e delicada, um misto de sentimentos que só os acordes de violino e piano podem nos proporcionar. O diretor Brett Haley, consegue injetar uma honestidade em seu par romântico e ao demonstrar as diferenças sobre os jeitos que as pessoas reagem quando não estão no seu equilíbrio mental ideal. Já o roteiro é assinado por Jennifer Niven, em parceria de Liz Hannah que souberam retratar as atitudes de quem se encontram fora da curva. Jennifer Nivem, autora do livro, contou que essa história é real de certo modo, ela conheceu alguém como Finch e amou esse garoto, com ele era tudo mágico e ela sentiu na pele os altos e baixos, a luta para estar neste mundo. Ele se suicidou. Ela conta também que sentiu na pele o peso de querer falar sobre esses assuntos delicados e as pessoas sempre fecharem os olhos e por isso ela escreveu o livro Por Lugares Incríveis.

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