Com uma temática pra lá de original, Ruptura estreia pela Apple TV+ usando a ficção para fazer uma gigante crítica ao sistema trabalhista e o futuro da tecnologia.
Trazendo nomes famosos por trabalhos em comédia, mas que aqui nada possuem de engraçado, a série é dirigida por Ben Stiller e protagonizada por Adam Scott, que apresenta o funcionário Mark e sua rotina na Lumen, uma empresa com um metódo nada convencional. Os contratados da Lumen precisam fazer um processo chamado de Ruptura para serem admitidos na empresa, que consiste em dividir seu cérebro em dois, onde duas personalidades passam a existir, uma no trabalho e outra fora dele. Nada que é feito em ambiente profissional é lembrado quando se sai do local e vice-versa, transfomando a pessoa em duas personalidades distintas.

Quando o supervisor de Mark se demite e ele assume o posto, precisar guiar uma nova funcionaria Helly (Britt Lower), que parece não se adequar com o metódo da empresa, mesmo que tenha concordado com a cirurgia. Ao longo dos episódios o público é apresentado a pequenos fragmentos da vida de Mark e se aprofundando nos motivos que o levaram a tomar essa estranha decisão de perder 8 horas de sua vida, totalmente deletadas de sua mente. Mark perdeu sua esposa e o luto é o grande motivo de tudo isso.
O roteiro de Dan Erickson investe em apresentar tudo muito misteriosariosamente e com explicações vagas, principalmente no que remete ao ambiente empresarial, criando um tom de suspeita que se estende até o final da temporada. Em conjunto com a estética, que deixa um design visual tão limpo e impessoal que chega a se tornar sufocante, a trama passa um certo desconforto em todos os episódios, traçando um caminho que se torna lógico quando o ex-supervisor de Mark aparece na vida “pessoal” dele revelando que há perigos na empresa.

O fato dos trabalhadores de graus superiores não passarem pelo processo de Ruptura, e inclusive manterem uma constante vigilância à Mark através da supervisora Cobel (Patricia Arquette), e os segmentos da empresa não terem permissão para se relacionar, aumenta a desconfiança e a tensão que se prolonga até o desfecho. Para criar um contraste, a família de Mark é extremamente o oposto de toda a tecnologia, sua irmã Devon (Jen Tullock) e seu cunhado Ricken (Michael Chernus), são adeptos de naturalismo e terapias alternativas, sendo aversos ao sistema de trabalho extremista utilizado atualmente. Ricken e sua filosofia de vida possui um papel importante na trama, para mostrar a abertura de mentes do lado trabalhador.
A parte distópica com base de ficção científica no melhor estilo Black Mirror não é tão enfeitada quanto parece, sendo uma crítica pontual e direta a um possível futuro próximo. A empresa Neuralink, de Elon Musk, já anunciou que está fazendo testes de chips em animais e quer começar seus testes de chips em humanos neste ano para um processo bem parecido com o mencionado na série. Por isso, a crítica vai além de um grito por mudança disfarçado por uma trama surrealista, é uma crítica social direta e atual.
Em meio a tudo isso, ainda há espaço para tratar de romances não convencionais, que envolvem homossexuais em idade avançada, psicológicos de perdas, importância da família, fanatismo religioso e dualidade de personalidade. Explorando um pouco mais da vida pessoal de cada personagem conforme a trama avança para o final, vários detalhes de questões relevantes conseguem espaço para discussão.
Ruptura é uma distopia original, que apresenta uma filosofia sobre saúde mental enquanto crítica abusos empresariais e excesso de tecnologia. Com um roteiro que sabe prender o espectador do início ao fim, levado desde o início a crer que há algo de errado através da narrativa e design minimalista desconfortável, a temporada apenas cresce episódio por episódio até chegar em um final frenético e agonizante, que deixa um gancho enorme para a segunda temporada.