Baseada no livro homônimo de Holly Ringland, que infelizmente ainda não está disponível no Brasil, The Lost Flowers of Alice Hart é uma minissérie da Prime Video que traz uma interessante reflexão sobre uma garota tentando encontrar sua liberdade em uma vida de violências e mentiras.
A trama, bem fiel ao livro original, segue Alice Hart em duas fases de sua vida, primeiro sua infância, depois seus 20 e pouco anos. A jovem Alice (brilhantemente interpretada por Alyla Browne), de nove anos, perde sua voz após um evento trágico e é acolhida por sua avó, June (Sigourney Weaver) uma floricultora que ensina Alice na linguagem das flores nativas australianas, uma forma de dizer as coisas que são difíceis de falar.
Alice sofreu vários traumas em sua infância com seu pai abusivo e agora se encontra em um refúgio para mulheres fugitivas de relacionamentos tóxicos, gerenciado por sua avó e sua companheira Twig (Leah Purcell). Aos poucos ela se acostuma com o local, mas fica cada vez mais frustada com o pouco que sabe da história de sua família e os segredos que sua avó mantém.
A minissérie se desenvolve de maneira cativante e intrigrante através da infância e adaptação de Alice, mostrando que há várias camadas no relacionamentos entre seu pai, sua mãe e sua avó e os inúmeros segredos que mantém. Como uma rede de sofredores que precisam se adaptar para sobreviver, tanto June e suas decisões duvidosas – que sempre são tomadas pensando na proteção das mulheres e geralmente surtem efeito-, quanto o elenco de apoio e suas motivações são bem exploradas e as ações perfeitamente justificadas.
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Sally (Asher Keddie) e John Morgan (Alexander England), que compõem esse elenco de apoio, servem como perfeitos contrapontos na história. Tendo perdido a filha para uma doença, eles – principalmente Sally-, acreditam que podem encher esse vazio emocional tentando criar Alice, mostrando um ponto de vista sofrido e mentiras entre o casal que agregam uma enorme profundidade na trama. Geralmente é Sally a protagonista das cenas mais impactantes da produção, com poucas palavras e uma carga emocional muito grande apresentada em tela. O casal se torna extremamente importante para os acontecimentos do segundo arco da temporada.

A linguagem das flores, criada pela autora no livro (que inclusive tatuou algumas delas em seu corpo para sempre levar as mensagens mais importante consigo), é bem explorada na série. Além de apresentada para Alice aprender seu legado familiar, é de fato usada algumas conversas entre as mulheres da fazenda com o uso das flores, apresentada para o público em letterings na tela. Esse detalhe demonstra um trabalho cuidadoso de fidelidade na adaptação, com o adendo de dar um grande suporte à trama, já que representa a importância de uma comunicação amorosa e alternativa para quem, como uma metáfora bem colocada, perdeu a voz para o mundo.
Em cerca de metade da temporada, os episódios apresentam um novo arco, também seguindo a ideia do livro. Nessa parte Alice (agora representada por Alycia Debnam-Carey) já está com 25 anos e sua vida tem uma nova reviravolta quando sofre uma traição e perde alguém muito importante por isso. Em sua dor, ela foge do refúgio em que foi criada, apenas para cair em um relacionamento duvidoso com um homem perigoso.

Abragendo uma jornada de duas décadas, The Lost Flowers of Alice Hart segue a vida de uma jovem australiana tentando encontrar seu lugar em um mundo onde só conheceu violências e mentiras. Chega a ser simples a proposta de acompanhar o crescimento de uma garota que perdeu seus pais, porém, com o vasto conteúdo relevante sobre violência doméstica, acolhimento e confiança, a série se torna extremamente interessante e recheada de críticas pontuais.
O mérito fica por conta do ótimo roteiro da criadora Sarah Lambert, que soube trabalhar os detalhes em tela para entregar cenas impactantes sem a necessidade de longos diálogos – que é a proposta principal dessa história: a falta da voz-, e sem jogar os elementos importantes que usa na cara do espectador. Lambert trabalha com diversidade, usa mulheres LGBT como personagens influentes na trama e mostra vários tipos de violência contra a mulher sem precisar escancarar essas informações, tudo é apresentado de maneira natural e, por isso, se torna ainda mais efetivo. Ela também soube aproveitar a riqueza da obra original, visto que vários dos acontecimentos são baseados na vida da autora. Ao manter a fidelidade da adaptação, a roteirista conseguiu aproveitar a carga emocional dos fatos realistas em cena.
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Uma adaptação fiel e bem representada, The Lost Flowers of Alice Hart é uma produção extremamente interessante que sabe deixar sua mensagem e trabalhar com mensagens que tentam combater a violência contra mulheres, apresentar a diversidade dentro e fora das telas de maneira natural e manter o mistério da trama sem perder a qualidade ao decorrer dos acontecimentos.