Avaliar um musical não é uma tarefa fácil, pois existe uma longa lista de “musicais” que se consideram musicais, mas não são. Na verdade, são obras mal produzidas e por contemplar algumas musiquinhas acham que são dignas de serem chamadas de musicais. No entanto, existe uma parcela bem sucedida que valoriza o gênero e faz bem feito. A recente sensação lançada pela Netflix no dia 19 de novembro, foi bem ambiciosa e digo isso não só pela produção, mas por quem dirigiu. Tick, tick… BOOM! merece os aplausos que vem conquistando na plataforma e digo mais, a produção intensa e vibrante conquista do início ao fim. Merece a fama que tem.
Fazer arte é caro. Mas vale cada centavo. – Tick, tick… BOOM!
Quem foi Jonathan Larson?
Se você não é um fã de musicais, pode não ter conhecido o fantástico currículo de Jonathan Larson, tampouco seu nome e sua história. Graças a Deus existe o Google para saber quem foi esse compositor que lutou insanamente para não deixar seu sonho morrer. Jonathan Larson foi um compositor e escritor filho de judeus e moravam em White Plains, Nova Iorque. Desde cedo, ele teve a música ao seu lado, já que tocava trompete e tuba, participava do coro de seu colégio e teve aulas de piano. Na sua playlist não podia faltar Elton John, The Beatles, The Doors e Billy Joel. Não podemos esquecer do clássico compositor de musicais Stephen Sondheim. Além disso, Larson também atuava e fez parte de várias peças da White Plains High School.

Mais tarde, Larson estudou na Universidade de Adelphi, onde foi bolsista, atuou e compôs várias peças menores, mas seu grande sonho era “Superbia“, uma versão rock futurista do livro de George Orwell. Trabalhou nela durante anos enquanto era garçom de uma lanchonete em NY. Ele acreditava que essa seria sua maior obra-prima, pois com ela ganhou a Richard Rodgers Production Award e o Richard Rodgers Development Grant. No entanto, apesar dos desempenhos dos dramaturgos e uma versão do concerto de rock produzido pelo amigo de Larson e produtor Victoria Leacock no Village Gate, em setembro de 1989, Superbia não foi totalmente produzido, conduzindo a decepção para Larson.
Seu próximo trabalho, concluído em 1991, foi um “monólogo de rock” chamado 30/90, que posteriormente foi renomeado para “Boho Days” e, finalmente, intitulado “Tick, tick … BOOM!” que é um musical autobiográfico que escreveu detalhando uma época de sua vida em que temia fazer 30 anos sem ter composto um musical de sucesso, tendo passado oito anos de sua vida em uma peça de ficção científica (Superbia), enquanto trabalhava meio período em uma lanchonete.
Em dado momento de sua vida, Jonathan Larson estava dividido entre abandonar seu estilo de vida artístico e sem dinheiro, para assumir uma posição no marketing de uma agência de publicidade, mas as boas críticas de Superbia e Tick, Tick… Boom! fizeram o jovem continuar perseguindo seu sonho. Depois surgiu “Rent”, lançado na década de 90 e um dos musicais mais longevos, premiados e assistidos na Broadway. Porém, Larson não teve tempo para aproveitar o sucesso do próprio trabalho. Jonathan Larson morreu devido a uma dissecção aórtica, que se acredita ter sido causada por síndrome de Marfan, na madrugada de 25 de janeiro de 1996. Acredita-se que se a dissecção da aorta tivesse sido diagnosticada e tratada adequadamente, Larson teria vivido.
Se você acha que foi uma jornada fácil, está enganado. A vida do compositor, escritor e dramaturgo de criatividade intensa, assim como de tantos outros gênios, não foi – e nem deve – ser definida pela fama, mas sim pela jornada que percorreu. Larson viveu uma carreira de altos e baixos, mas foi nas aflições, alegrias, tensões, tristezas que encontrou força e esperança para perseverar e agora a lenda da Broadway que faleceu às vésperas de “Rent” estrear, é eterizado nas telonas e na Netflix em “Tick, tick… BOOM!“, musical que rememora com ânimo a figura de um ser humano talentoso e muito determinado.
Tick, tick… BOOM!

Tick, tick… BOOM! acompanha a trajetória de Jonathan Larson, interpretado brilhantemente por Andrew Garfield, poucos dias antes de completar 30 anos. Trabalhando numa lanchonete como garçom, Larson escreve e reescreve um musical, o qual acredita intensamente de que será o próximo sucesso americano. John se vê pressionado por vários acontecimentos a sua volta como a mudança de sua namorada para outra cidade para seguir seu sonho na carreira artística, seu amigo Michael que trocou a atuação por uma condição financeira mais confortável e segura, além de ver outros amigos morrendo por conta da AIDS. Prestes a apresentar uma performance decisiva, Larson é tomado pela ansiedade de quem se considera atrasado para realizar seu grande sonho.
Metade de nossos amigos está morrendo. A outra está apavorada em ser a próxima. – tick, tick… boom!
Embora o longa tenha algumas pequenas falhas, é compreensível, pois se trata da estreia do talentosíssimo Lin-Manuel Miranda que assume a direção e conduz com fervor, energia, otimismo e claro, muita emoção, a narrativa por meio de uma estrutura bem arquitetada e coerente. Aqui, Miranda usa como fio condutor da trama o monólogo de rock chamado 30/90, que posteriormente foi renomeado para “Boho Days” e, por fim, intitulado “Tick, tick … BOOM!”, no qual Jon canta e interpreta, com o auxílio de sua banda, as suas diversas frustrações por conta da rejeição causada pelo fracasso de levar Superbia a Broadway. Essa maneira de narrar os acontecimentos da vida do jovem compositor é algo que conecta o público com o drama do protagonista e isso nos cutuca de uma forma insana e bizarra. Todos temos urgência na vida, queremos o sucesso para já. É tudo tão imediato. Tão rápido. O pior é que nos desesperamos no processo, é complicado entender que o caminho é assim… cheio de curvas, obstáculos que no fim, servem para o nosso próprio amadurecimento e isso nos faz refletir sobre como lidamos com as frustrações e alegria da vida. O resto do trabalho fica por conta de Andrew Garfield.
Garfield que tem um currículo estranhamente peculiar, nos entrega uma interpretação INCRÍVEL. O protagonista tem uma jornada marcada por várias camadas que são dissecadas em tela pelo ator e as emoções e os sentimentos são transmitidos sem que ele precise se esforçar muito. É lindo ver a entrega e a dedicação numa interpretação belíssima e tocante. Sentimos a sua epifania quando consegue as primeiras conquistas, a grandeza de sua energia enquanto está performando o seu monólogo e uma intensa agitação ao cantar as músicas que embalaram o musical. Uma das passagens mais importantes vemos Andrew vestindo, literalmente, a ansiedade de Larson que se mostra um dos pontos mais altos da trama. Mas isso não é a única coisa interessante dessa passagem, em paralelo nos estamos há quase dois anos numa pandemia que parece não ter fim e justamente esse momento tem servido de gás para muitas reflexões como o imediatismo para ser bem sucedido na vida amorosa, na vida profissional… mas o ponto é que não sabemos esperar e não sabemos reconhecer a beleza das frustrações e das pequenas conquistas ao longo da jornada.
Apesar de não ter coreografias chicletes ou cenários fantásticos, as atuações Garfield e Vanessa Hudgens (perfeita em seu tempo de tela), mesmo que estejam sentados em banquinhos, as emoções, a vontade, a força, a imensidão de suas interpretações são um reflexo do trabalho de Lin-Manuel Miranda como diretor de atores. Aqui o que importa é o que será dito, cantado, sentido, expressado e observado. É realmente uma produção e tanto. Não decepcionou – mesmo tendo erros -, pois a mensagem que é transmitida é mais forte e mais relevante que qualquer escorregada.