Estreou recentemente no catálogo da Netflix, a série de quatro episódios Toda Luz Que Não Podemos Ver. A trama baseada no livro de mesmo nome do autor Anthony Doerr, conta a história de Marie-Laure, que vive em Paris, perto do Museu de História Natural, onde seu pai é o chaveiro responsável por cuidar de milhares de fechaduras. Quando a menina fica cega, aos seis anos, o pai constrói uma maquete em miniatura do bairro onde moram para que ela seja capaz de memorizar os caminhos. Na ocupação nazista em Paris, pai e filha fogem para a cidade de Saint-Malo e levam consigo o que talvez seja o mais valioso tesouro do museu.
Em uma região de minas na Alemanha, o órfão Werner cresce com a irmã mais nova, encantado pelo rádio que certo dia encontram em uma pilha de lixo. Com a prática, acaba se tornando especialista no aparelho, talento que lhe vale uma vaga em uma escola nazista e, logo depois, uma missão especial: descobrir a fonte das transmissões de rádio responsáveis pela chegada dos Aliados na Normandia. Cada vez mais consciente dos custos humanos de seu trabalho, o rapaz é enviado então para Saint-Malo, onde seu caminho cruza o de Marie-Laure, enquanto ambos tentam sobreviver à Segunda Guerra Mundial.

Produções que se baseiam em acontecimentos reais carregam dois objetivos: a de elucidar fatos do passado, recontando sob uma outra estética eventos que mudaram a sociedade e a capacidade de emocionar a quem assiste através da tela de uma televisão ou cinema. A adaptação em questão, é potente no que se propõe a contar. De forma sucinta e curta, vai direto ao ponto.
Em Toda Luz Que Não Podemos Ver, somos apresentados a um enredo que nos proporciona momentos reflexivos e sentimentais. É um romance de proporções perigosas e fadado ao fim antes mesmo de começar em uma realidade dura demais para ser encarada. Num lugar onde a morte se faz presente, se agarrar à vida é um ato de resistência, de coragem. O núcleo principal é pequeno, mas conta com rostos conhecidos do público, como Mark Ruffalo e Hugh Laurie, a trama traz ainda o jovem e talentoso Louis Hoffman e em seu primeiro papel, Aria Mia Lobert, que fez um bom trabalho em tela.
São personagens densos e com uma carga emocional muito forte. Mesmo sendo apenas quatro episódios, a produção consegue intercalar presente e passado e dar um background de cada personagem para que a trama tenha sentido. A direção foi certeira ao apostar nos detalhes mais importantes a fim de não perder tempo com firulas.
Por ter sido adotado um modelo curto, a minissérie perdeu em texto, pois vemos muita ênfase em frases de efeito para tentar reforçar a mensagem que a obra original quer passar e são pouquíssimas cenas em que vemos um aprofundamento melhor dessa prosa. Podemos ver que em momentos onde Marie e Werner refletem sobre seus medos e inseguranças,sobre as incertezas da vida ou como enxergam o mundo no qual vivem. Faltou um pouco de primor nesse quesito.
O elenco é competente. Todos estão bem em seus papéis e apesar de Aria ter o papel de destaque, é Louis quem rouba os holofotes com seu olhar penetrante. Ele conversa com o espectador pelos olhos, é verdadeiro e angustiante. Há outro personagem que conversa com os olhos, é sarcástico, talvez seja estilo de seu intérprete, usar o deboche como estratégia para capturar a atenção do público. Lars Eidinger entregou um vilão que não causa medo por suas ações e sim pelo seu olhar perverso e por sua aparência fraca… só faltou o bigode para ser a personificação de Adolf Hitler. Os demais, cumprem suas posições sem maiores dificuldades.

Visualmente, a trama não peca em nada. Figurinos e maquiagem estão impecáveis. Fotografia que transita do frio melancólico para o quente caótico indo para a fumaça cinzenta e destruição em massa. Trilha sonora, apostar num clássico, não tem erro. Senti falta de algo mais quente nas cenas de ação que podiam ser mais majestosas, mas ok. Não é algo que atrapalha, mas faz uma pequena diferença. O suspense quando bem usado, alavanca a obra.
No quesito enredo, roteiro, está ok. Dentro do esperado, até mesmo porque a decisão de trabalhar com uma minissérie fez com que a direção errasse muito menos se tivessem optado por um filme que poderia contar de forma equivocada e compactada até demais a história ou uma série com sete ou mais capítulos, o que poderia se estender muito e incluir firulas desnecessárias.
No mais, a adaptação cumpre bem o seu papel: atinge em cheio quem assiste e mais ainda quem precisa conviver com os arranhões deixados pelo o que aconteceu no passado. Shawn Levy e Steven Knight fizeram um bom trabalho. O final pode não agradar a quem leu a obra original, mas acredito que para manter o espírito do livro, a esperança, seria muito mais triste se o fim fosse o mesmo da obra original. Quando França e Alemanha chegam ao ápice da guerra com a invasão dos EUA, torcemos para que seja diferente, mas sabemos que na vida real… foi bem mais trágico. Aqui, fins não justificam os meios.