Trópico Fantasma (Ghost Tropic) não é um filme com muitas falas, é uma produção que se constrói a partir da sensibilidade e do silêncio. A trama aborda a alegre e sensivel Khadija (Saadia Bentaïeb) que ao adormecer no metrô, depois trabalhar faxinando um centro comercial, ela se vê sem nenhuma alternativa para voltar para casa após descer na última estação. É um longa muito interessante que ao retratar a protagonista que cobre a cabeça semelhante a mulheres muçulmanas nos remete à uma religiosidade num primeiro momento. Mas a obra em si, não tem nada põe em xeque a religião ou a nacionalidade da mulher, é algo que deduzimos pelas vestes. É uma trama delicada e provocativa e ao mesmo tempo é contemplativo.
Pelas mãos de Bas Devos, Trópico Fantasma inicia com uma voz complacente, calma que fala sobre um lugar que aparenta ser um lugar de nosso conhecimento e que quando visto por outras pessoas, “intrusos”, eles veem de uma forma totalmente nova e isso dá o sentido de que a jornada, não só a da personagem, mas a nossa que embarcamos com ela nesse metrô, faremos uma jornada desconhecida. Talvez ela ter descido na última estação e se ver sem alternativas para voltar para casa, pois já é tarde da noite, passa a conhecer o que antes era desconhecido para ela… essa pode ser a premissa metafórica para embalar o longa.
A composição fotografica é curiosa, pois o tempo todo se mantém quadrada, como se o foco do enquadramento remetesse a algo horizontal. Sentimos uma atmosfera fantasiosa, incluindo como as pessoas se portam uma com as outras, por exemplo, o homem (paramédico, talvez) parado feito estatua, não se move e nem fala muito, presenciando ao lado da protagonista o resgate do morador de rua que se encontra fora do plano morrendo de frio. Algo interessante é que ela não parecer estar nesse transe, ela questiona, ela cativa os outros de uma certa forma.

A trilha sonora combina bastante com o ritmo do longa que numa noite escura nos faz caminhar com a protagonista que se vê obrigada a pedir ajuda e a ajudar o próximo. Ela não assiste aos acontecimentos de forma passiva. O mais interessante é que tudo acontece na escuridão, no meio da madrugada. Enquanto nós achamos a noite um período do dia perigoso, para a nossa protagonista acaba não sendo e é nesse momento que a observação se torna mais efetiva e profunda.
No longa, é possível perceber personagens que habitam na escuridão e que normalmente são “invisíveis” e com o olhar da nossa protagonista e sua sensibilidade, são agentes ativos com quem a personagem interage. Trópico Fantasma não seria o mesmo filme sem a mulher de expressão afável e voz calma. É nos pés cansados de Khadija que podemos ver suas atitudes de coragem. O longa mostra uma mensagem politico social muito forte. Quem é que perceberia um morador de rua morrendo de frio numa noite escura, quando se está exausto e querendo muito ir para casa?
No decorrer da trama, percebamos que apesar de ser muito visual, sentimos que o longa transmite a sensação de alguém que nos conta algo, embora as conversas sejam poucas, o que é falado é totalmente explicado. Mas mesmo assim, como entender um título pouco explicito? O que significa esse “Ghost Tropic“? Talvez seja um sinônimo para os personagens ocultos que existem por ali e é nisso que se mostra a beleza do longa. A beleza está nas descobertas do desconhecido.

É interessante ver que a preocupação que ela tem com os próximos, a própria filha não tem com ela. Enquanto ela se preocupa com o morador de rua morrendo de frio, com o cachorro dele que pode fugir ou morrer por n motivos, a filha dela está no meio da noite com amigos bebendo e flertando com um carinha qualquer. Posa para conferir sua beleza sob a luz noturna e a escondida é observada por sua mãe. Logo depois, Khadija volta para casa, mas sai novamente. Podemos compreender pelas cenas iniciais algo que a acompanha até o termino do filme. Percebemos que Khadija tem uma perspectiva muito singular sobre tudo, o shopping center no qual trabalha todos os dias tem uma conotação de esforço e trabalho enuanto para outras pessoas é um espaço para comer ou namorar, por exemplo. E todo cenário tem esse entendimento duplo, o que ela vê e o que os outros veem.
Ainda nessa pegada de percepção singular, vemos que tudo o que poderia ser feito para beneficio dela, não a ajuda de forma efetiva. O ônibus que vemos como uma possível alternativa para ela voltar para casa, não funciona. O caixa eletrônico também não. O mesmo acontece com a máquina de chá. É como se tivesse uma lacuna e nesses momentos ela recorre a bondade de estranhos. De forma intrínseca, o longa é provocativo, reflexivo e na sua personagem delicada e sensível, vemos um mundo que sabemos que existe mas que escolhemos desconhecer.