É sempre interessante acompanhar a evolução artística de um cineasta. Muito dificilmente, a estreia de um diretor é uma obra-prima. Na maior parte das vezes, o que se detecta nos primeiros filmes é um talento que, assim como um diamante bruto, ainda precisa ser lapidado. E isso costuma acontecer nos lançamentos seguintes ou em alguma obra específica, na qual as arestas de um determinado estilo são aparadas e os potenciais, extrapolados. Para Edgar Wright, essa evolução acontece na produção Em Ritmo De Fuga. Embora esteja longe da perfeição, o quinto longa-metragem do diretor é, claramente, a obra em que ele se mostra mais amadurecido.
Também responsável pelo roteiro original (o primeiro que escreve sozinho), Wright, na trama, conta a história de Baby (Ansel Elgort), o sujeito que dá nome ao título. Em razão de uma dívida que tem com o criminoso Doc (Kevin Spacey), ele precisa trabalhar como motorista de fuga numa série de assaltos a bancos cometidos por gangues diferentes. No entanto, após se apaixonar por Debora (Lily James) e vislumbrar uma vida longe da criminalidade, ele decide deixar tudo para trás. Mas, para a sua surpresa, a saída desse mundo não será tão fácil quanto imagina.
No primeiro parágrafo, afirmei que Em Ritmo de Fuga é o filme em que Wright, visivelmente, amadureceu como cineasta. Isso também significa que este é o seu melhor longa. Como as estripulias visuais, o estilo frenético (obtido, principalmente, através de complexas transições de montagem) e o excesso de cálculo na composição (o que gerava uma sensação de engessamento) eram, nas quatro produções anteriores, sinais claros de um sujeito embevecido com o fazer cinematográfico, a sua carreira, até o momento, era – na falta de um termo melhor – “infantil’. Porém, ao mostrar coragem de mudar alguns elementos característicos de seu estilo e, mesmo assim, entregar algo autoral e extremamente eficiente, ele se tornou um nome muito mais interessante de ser acompanhado.
Do ponto de vista técnico, é interessante perceber como essas mudanças operam. Ver a maneira com que o diretor obtém a sincronia de movimentos através da emblemática trilha sonora , do gestual dos atores (se aproximando, em certos momentos, do gênero musical) e não somente dos match cuts e truques de montagem é testemunhar o seu progresso técnico, pois, isso não só fornece uma vivacidade mais orgânica ao filme, como também dá à narrativa um ritmo fluído e natural, em que as coisas parecem respirar, ao invés de serem sufocadas pelo estilo obcecado do cineasta. Além disso, há um comedimento maior em relação aos elementos visuais que surgem em tela, uma vez que aparecem apenas em momentos estritamente relevantes. Isso é essencial para transmitir a sensação de que o drama do protagonista importa, e que nem tudo é motivo de riso, chacota e experimentação.
Mas nem tudo é mudança no filme. Assim como Todo Mundo Quase Morto, Chumbo Grosso, Heróis de Ressaca e Scott Pilgrim Contra o Mundo não eram apenas sobre os personagens, mas também sobre gêneros cinematográficos específicos, com Em Ritmo de Fuga não é diferente. Desta vez, os tipos de filmes homenageados pelo cineasta são os chamados heist movies (filmes de roubo) e os policiais das décadas de 1960, 1970 e 1980. Enquanto acompanhamos a história, nos vêm à mente obras como Bullitt, Operação França, Corrida Contra o Destino, Irmãos Cara-de-Pau, Fogo Contra Fogo, Drive e tantos outros. Nesse sentido, é inegável que há uma atmosfera nostálgica inebriante (mérito compartilhado também pela filmagem em 35mm e o fato de que mais de 90% das cenas foram filmadas em locações e não recriadas através de CGI).
Aliás, não dá para falar em nostalgia e não dissertar sobre a já mencionada trilha sonora. Repleta de clássicos das mais diversas décadas e responsável por estabelecer toda a coreografia e movimentação das cenas, ela também é vital para simbolizar a biografia do protagonista. Pelo filtro da impecável mixagem de som (que abafa ou ressalta os diferentes sons de acordo com as exigências narrativas), entramos em contato com a enfermidade (ele ouve um zumbido constante) e a subjetividade de Baby, os seus temperamentos e sensações. As letras das canções se tornam as suas falas e os ritmos, as suas reações. Quando descobrimos a origem disso tudo (há flashbacks mostrando o passado do personagem), essa relação íntma com a música adquire uma proporção dramática ainda maior. Por fim, também é preciso destacar a supracitada montagem (que mantém o andamento sempre interessante e ágil) e a forma com que o roteiro trabalha com a ideia do vilão. Do segundo para o terceiro ato e na totalidade deste, as nossas expectativas são completamente subvertidas, o que acaba gerando uma bem-vinda surpresa.
No entanto, Em Ritmo de Fuga não está livre de falhas, e estas se encontram, principalmente, no roteiro. Tecnicamente, pode-se dizer que o único defeito do longa é o emprego excessivo de drifts nas sequências de perseguição. Já no que diz respeito à narrativa, a premissa é a mais simples possível (o número de filmes que partem de um ponto similar ou idêntico é enorme); o interesse romântico do protagonista é desenvolvido até certo ponto, antes de ser completamente abandonado por Wright e se transformar numa marionete que é jogada de um lado para o outro; no final, há uma mudança de postura por parte de um dos personagens que é completamente inverossímil; e existe uma quantidade excessiva de acontecimentos no terceiro ato, o que compromete parcialmente o ritmo e apresenta situações que vão se atropelando.
Mas esses acidentes no meio do caminho (com o perdão do trocadilho) não são suficientes para impugnar os méritos do longa. Em Ritmo de Fuga é divertido, cool, engraçado, cinematograficamente desafiador e, mais importante do que isso tudo, afinal de contas, aponta para um futuro que pode ser cada vez mais brilhante, é o sinal definitivo de uma cineasta que foi capaz de reconhecer as próprias vulnerabilidades, driblá-las e melhorar consideravelmente durante o processo. Sim, há falhas no filme atual, porém, se esse progresso continuar pelos próximos anos, a obra-prima definitiva não estará muito longe de ser realizada.