Certas histórias nasceram para serem contadas e se tornarem imortais. E é isto o que aconteceu com o Castelo Rá-Tim-Bum, um fenômeno cultural da televisão brasileira. Mesmo que jamais tenha assistido a algo do Castelo, com certeza conhece seus bordões. Mas como isto tudo aconteceu?

A criação e toda a história deste sucesso da TV Cultura é contada no livro Raios e Trovões: A história do fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum do autor Bruno Capelas e lançado pela Summus Editorial. De maneira simples e direta, Capelas dá uma verdadeira aula de história, no melhor estilo do Castelo, a respeito da TV Cultura, do Castelo e principalmente seus bastidores. Mas como todo livro, falta sempre aquele “algo”, e desta forma fomos buscar através de uma entrevista com o autor para sabermos mais um pouco de sua obra e dele próprio!

1. Por que escrever um livro sobre o Castelo em si?

Entrevista com Bruno Capelas, autor do livro Raios e Trovões: A história do fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum 1
Summus Editorial

O Michael Azerrad, um jornalista e escritor americano que escreveu muito sobre rock alternativo (leiam Our Band Could Be Your Live!!!), tem uma frase muito importante e que me guiou durante todo o processo de fazer o Raios e Trovões: “se ninguém escreveu o livro que você quer ler, então vá lá e escreva”. Desde moleque, eu sempre gostei de ler sobre coisas que eu gosto muito (parece uma redundância, mas nem sempre é). Devorei biografias de artistas, livros sobre movimentos e épocas musicais – três que sempre cito como influências diretas são o A Era dos Festivais, do Zuza Homem de Mello, o Chega de Saudade, do Ruy Castro, e o A Divina Comédia dos Mutantes, do Carlos Callado. E eu sempre quis ler um livro sobre o Castelo, que é uma referência “desde sempre” para mim. Mergulhar na história do Castelo Rá-Tim-Bum foi um exercício de entender a minha infância. 

Eu nasci em 1992 e faço parte do que muita gente chama de “geração Cultura”, que cresceu tendo a emissora da Fundação Padre Anchieta como babá eletrônica, vendo programas como o Castelo, Mundo da Lua, X-Tudo, Rá-Tim-Bum, Glub Glub, entre outros. Todos os dias, eu chegava da “escolinha” e via o episódio do dia, já em alguma reprise, enquanto minha mãe fazia o jantar. O ponto de partida de gostar do Castelo foi justamente por aí. Já o livro começou como meu trabalho de conclusão de curso pela ECA-USP em Jornalismo, em 2014. Na época, eu só sabia que precisava ser algo de que eu gostasse muito, para conseguir passar alguns meses debruçado sobre o tema. Estava vendo TV com a minha irmã, dez anos mais nova, e estava passando o Castelo. Em vez de tirar do canal, como eu sempre fazia, assisti com ela o episódio até o final e aquilo me intrigou. “Eu gosto tanto disso, mas por que é que eu continuo gostando disso como adulto?”. Fui buscar referências sobre e não encontrei nenhuma, então achei que era meu trabalho resolver esse problema. 

E bem, acho que um livro sobre uma obra de arte não é só sobre essa obra de arte em si, mas também sobre o mundo em que ela foi gerado e o legado que ela deixou. Escrever a história do Castelo foi uma forma de recontar (e entender) a história recente do Brasil de uma forma bastante específica — uma história de como, a despeito de problemas econômicos e limitações técnicas, um grupo de gente muito interessante usou e abusou de sua criatividade, deixando um marco histórico, uma das maiores identidades da cultura pop e da cultura brasileira, de modo geral. É essa história, de gente comum, que cresceu, estudou e trabalhou em prol de educação e cultura, que eu quis contar — tanto quanto as curiosidades de porque havia uma árvore no meio de um Castelo ou de quantos livros tinha na biblioteca do Gato Pintado

2. Como foi o trabalho para conseguir material para o livro?

Entrevista com Bruno Capelas, autor do livro Raios e Trovões: A história do fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum 2
Exposição do Castelo no MIS. Crédito: Gabriel Nogueira

Ninguém consegue na vida sem um bocado de sorte: no meu caso, eu contei com ajudas muito importantes ao longo do caminho. Para fazer o Raios e Trovões, fiz mais de 30 entrevistas com gente que trabalhou, atuou, escreveu e viveu o Castelo — boa parte delas, porém, foram conquistadas com duas felizes coincidências. Como eu já disse, meu livro nasceu de um trabalho de conclusão de curso na ECA-USP. E antes de mim, um ou dois anos antes, uma dupla de veteranas — a Maria Carolina Gonçalves e a Lívia Furtado — também fizeram um documentário sobre o Castelo. E elas me deram de presente (porque não há outro jeito de dizer isso) uma planilha com os contatos de quase todo mundo com quem falaram.

Além disso, 2014 — que foi o ano que eu fiz a maior parte das entrevistas — foi também o aniversário de 20 anos do Castelo e o da exposição no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, que inclusive abre o livro. E ali eu consegui encontrar muita gente, especialmente que trabalhou nos bastidores, que andava sumida, esquecida ou mesmo nunca tinha sido ouvida para falar do Castelo. Além das fontes primárias, de conversar com as pessoas e confrontar histórias — são pelo menos duas décadas de memória, então algumas coisas se embaralharam –, eu também fiz muita pesquisa em acervos de jornais, exposições, revistas e na internet, confrontando datas com os relatos que eu tinha escutado. Isso posto, a primeira versão do livro foi feita em 2014, ainda como TCC, e ao longo dos anos seguintes eu fui reescrevendo esta história, buscando deixá-la madura e cada vez mais interessante. Eu brinco que a versão que se tornou o livro, a quarta, é a Uma Nova Esperança.

3. Durante a obra você faz uma verdadeira viagem na história da TV paulista, abordando principalmente problemas econômicos da época. Acha que se o Castelo fosse para ser criado nos dias de hoje, ele teria a mesma aprovação de público e crítica?

Entrevista com Bruno Capelas, autor do livro Raios e Trovões: A história do fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum 3

É difícil dizer. Acho que ele poderia ter a mesma aprovação de crítica, sim, porque é um programa muito inteligente. Talvez ele tivesse de ser adaptado: um dos pilares importantes do Castelo é a quantidade absurda de conteúdo que ele tem — poesias, telas, danças, costumes de outros países, histórias & História –, que na época eram pouco acessíveis às pessoas. Hoje, são coisas que estão a um clique de distância para qualquer criança, por conta da internet. A Anna Muylaert já disse que, se fosse fazer o Castelo hoje, teria um foco muito mais na questão emocional/social do que no aspecto educativo; por outro lado, é bom lembrar que o aspecto educativo era um dos pilares da programação infantil da TV Cultura na época (e algo que diferencia o Castelo de seus pares da época até hoje).

Mas acho que seria difícil ele ter a mesma recepção por parte do público: em um dos capítulos do livro, eu chego a teorizar algumas razões para o Castelo ter feito tanto sucesso (e outros programas subsequentes da Cultura não). O Castelo é um produto de sua época — ele faz parte de uma época em que a TV aberta era praticamente a única opção para todas as crianças, de diferentes classes sociais; também faz parte de uma época em que a grade de programação importava (e a da Cultura, com programas como Rá-Tim-Bum, X-Tudo e Mundo da Lua, era vital nesse aspecto); além disso, a competição hoje, com streaming, YouTube e até mesmo outros entretenimentos paralelos (aplicativos e jogos, por exemplo) seria mais difícil. Gosto de acreditar que ele tem qualidade para superar esses empecilhos mesmo hoje, mas acho difícil (a experiência recente da Cultura com Que Monstro Te Mordeu?, feita pelo próprio Cao e com muito aprendizado do Castelo, mostra um pouco disso). 

4. Como você vê o mercado atual da Televisão aberta, principalmente a paulista? Acha que programas como o Castelo estão fadados a extinção ou ainda possuem um lugar no mercado de streaming?

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Acho que é difícil pensar na TV aberta como um modelo isolado. Cada vez mais, somos espectadores que olham para múltiplas telas — muita gente assiste à novela das oito sem ser necessariamente às oito, mas com ajuda de aplicativos de streaming ou mesmo do YouTube, em transmissões piratas. E há poucas emissoras de fato pensando nisso, nessa transformação para o digital — e isso é um grande desafio porque, de novo, a competição é muito maior e não se limita a apenas uma meia dúzia de canais, mas é de fato uma competição global. Dito isso, acho que o streaming é cada vez mais o espaço para que programas como o Castelo existam — e quando penso nesse “como o Castelo”, penso em programas que tratem a criança com respeito, que achem que é possível ensiná-la qualquer coisa, de Leonardo da Vinci a poesias de Manuel Bandeira

5. Hoje obras como da Turma da Mônica ganham as telas e fazem sucesso com as velhas e novas gerações. Você acredita que poderíamos ter algo parecido com uma versão do Castelo para os cinemas, abordando personagens individualmente ou até mesmo todos eles? 

Entrevista com Bruno Capelas, autor do livro Raios e Trovões: A história do fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum 5

Eu até acho possível que isso aconteça, mas tenho minhas dúvidas se isso seria bem feito — particularmente, acredito que nem todos os produtos feitos a partir do Castelo desde 1994 são bons ou se atém àquele universo que o programa criou. É algo diferente da Turma da Mônica, cujo universo simbólico está estabelecido há décadas (e que há muito aguardava uma versão para o cinema, embora particularmente eu não goste do filme Laços (o quadrinho, porém, é incrível)). As próprias questões legais e de criação que envolvem o programa também seriam outro empecilho. Neste caso, fico com o Cao Hamburger: quando perguntei a ele se seria possível fazer outro Castelo, ele disse que preferia criar coisas novas. A própria ideia do Castelo nasceu do Rá-Tim-Bum 2, então é muito mais legal seguir em frente. 

6. Fale um pouco sobre você e o que o Castelo representou e representa para sua vida. E se pudesse voltar na época que nem ao menos pensasse em escrever esta obra, o que falaria para si mesmo? O que daria de sugestão para assistir com mais atenção e por quê?

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Acho que já falei um pouco na primeira pergunta sobre o que o Castelo representou pra mim quando criança. Como adulto, gosto de olhar para ele e perceber algo que me ajudou a me tornar a pessoa que sou — acredito que meu modo de perceber o mundo é a partir da cultura, da música, do cinema, da literatura, e isso tem muito a ver com coisas que o Castelo despertou em mim. Além disso, ele representa um pouco do País que eu gostaria que o Brasil fosse todos os dias — criativo, original, ciente das suas origens, da sua cultura e da sua diversidade, com respeito às diferentes trajetórias de cada um, mesmo sob várias limitações. É o famoso “fazendo tudo com carinho, vai acontecer”. Se pudesse voltar àquela época, ia mandar aquele moleque aproveitar mais — e tentar convencer outros coleguinhas de escola a assistir. Talvez a gente não estivesse nesse cenário tão catastrófico.

Sobre o autor

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Bruno Capelas é jornalista e apresentador do Programa de Indie, na Rádio Eldorado. Foi editor de tecnologia no Estadão, além de ter passado pelas redações de iG e IGN Brasil.

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