Resenha: Vox- Christina Dalcher

0
7514

 

Direitos iguais é uma luta constante para as mulheres, durante anos elas conquistaram liberdades para se igualar aos homens. E o que aconteceria se elas de repente perdessem tudo isso? Os recente cenário político faz pensar sobre essa possibilidade.

O Conto de Aia, de Margaret Atwood, foi uma das obras que apontaram essa questão, trazendo em sua trama mulheres que perdem todos os direitos e são usadas apenas como instrumentos de reprodução – inclusive sendo divididas por categorias, férteis e inférteis. O livro impressiona por, mesmo escrito em 1985, parecer viável nos tempos de hoje, ainda mais com a situação política atual dos Estados Unidos.

E é esse caminho que Christina Dalcher traça em Vox. Narrando um futuro não muito distante, onde as mulheres não podem falar mais de 100 palavras por dia. Essa regra, instituída por um novo governo conservador, faz parte de uma mudança radical que acredita em “famílias puras”, onde a mulher deve cuidar da casa e dos filhos, enquanto o marido trabalha. Para que as mulheres voltem a ser submissas, é necessário tirar todas as armas delas e por isso elas também não podem ler, escrever, se comunicar por sinais ou por qualquer outro meio, seja carta ou celular.

A Dra. Jean McClellan, que costumava trabalhar como Neurolinguística, é quem apresenta ao leitor esse novo mundo. Mãe de quatro filhos e esposa de um médico, ela teve que mudar sua vida de mulher culta e bem desenvolvida em sua carreira, para uma dona de casa que precisa medir cuidadosamente suas palavras. Enquanto narra sua rotina, Jean explica como que esse governo conseguiu, tão rapidamente, calar completamente as mulheres. E essa é a parte mais interessante da obra, através da rotina da protagonista, vemos a maneira sutil que o governo utilizou para influenciar seus filhos nas escolas, como calaram as manifestações e vetaram direitos básicos para acabar com os privilégios femininos.

É chocante ver como é viável uma situação dessas. Usando de argumentos muito convincentes, a autora mostra, enquanto aproveita para fazer uma enorme crítica política, o quanto é fácil mudar os costumes se as pessoas pararem de lutar pelos seus direitos. Para não restar dúvidas, vários personagens diferente são apresentados intimamente, destacando seu papel na sociedade e como se deu a aceitação de cada um. Os filhos de Jean são cruciais para isso, Steven, seu filho adolescente, se torna irritante ao acatar todas as regras tão facilmente e desrespeitar a hierarquia com a mãe. Contrastante a isso, temos Sonia, de apenas 5 anos, que por conhecer tão pouco do mundo, não precisa se adaptar e chega a ficar feliz quando consegue passar o dia todo calada.

A imagem mostrada em Vox se torna desesperadora. Devido aos detalhes, como o novo método de ensino feminino -que se resume em tarefas domésticas e contas para poder fazer compra de mercado-, ou até mesmo o modo extremo com que foram lidados questões LGBT, a obra se torna sufocante. Dalcher fez um trabalho incrível ao montar um universo novo e totalmente plausível, evidenciando a gravidade da situação através de coisas cotidianas que foram perdidas.

Entretanto, o desfecho do livro não consegue ser tão empolgante. Talvez por se focar em fazer uma pesada crítica à sociedade, e abrir os olhos para uma situação que poderia se concretizar, a autora não consegue manter o mesmo ritmo quando precisa entregar um pouco de ação à trama. Entre questões pessoais da vida de Jean e a luta para tentar acabar com essa repressão, o desfecho ocorre de modo apressado e lógico em alguns pontos, sendo quase preguiçoso. Definitivamente, não condiz com o incrível universo detalhado apresentando no início da obra.

Como uma empolgante ficção, Vox não é extremamente satisfatório. Mas seu pesado conteúdo político e a importante mensagem que a autora passa conseguem fazer o leitor refletir e torna essa leitura quase obrigatória para os tempos atuais.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por Favor insira seu nome aqui