Patrícia Highsmith é uma autora conceituada que se tornou famosa por criar o influente personagem Tom Ripley, que virou protagonista de uma saga importante da autora e carro chefe de várias adaptações desde sua criação em 1955.
Mas não é apenas nessa saga que ela se destaca. Highsmith escreve ótimos suspenses e Em Águas Profundas, romance de 1957 republicado esse ano pela editora Intríseca, é outro case de sucesso. A obra foi inspiração para o recente filme da Amazon Prime Deep Water (2022), anteriormente tendo como adapções o longa Vítima por Testemunha (1981) e a série Tiefe Wasser (1983).
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A trama apresenta Vic e Melinda, um casal que está longe de ser um exemplo de relacionamento saudável, o casamento é mantido por um acordo nada convencional: Melinda pode ter quantos amantes quiser contanto que não arraste os dois e a filha para o caos de um divórcio. Tudo parece bem, mas, com o passar do tempo, Vic começa a se incomodar com os homens escolhidos pela esposa e adota uma estratégia inusitada para afugentá-los, assumindo a autoria do assassinato de um deles. Só que a notícia se espalha e o antes cidadão-modelo, benfeitor, marido mais do que tolerante e empreendedor abnegado vira alvo da maledicência de todos.
Tudo levava a crer que a vida voltaria ao normal quando um verdadeiro assassino é descoberto, mas a revelação da mentira de Vic é o estopim de uma reviravolta nas convicções do próprio e nas relações que mantém com a comunidade, com os amigos e com Melinda e seus vários amantes. O que se cria é uma trama intrincada, repleta de segredos, manipulação psicológica e sangue.
Highsmith é conhecida por explorar intimamente a psique humana e seus limites e Em Águas Profundas faz novamente um ótimo trabalho. A construção dos personagens é notável, visto que Vic aparenta ser um cara tolerante, mas no seu interior se apresenta um pacato cara que se deixa levar pelos caprichos de sua mulher, e descobrimos ao longo dos acontecimentos que não é por amor, mas por falta de coragem de se impor. A falta de atitude de Vic deixa aparente que ele é um cara sendo levado ao limite e nesses casos o unico caminho é sempre piorar. Por outro lado, Melinda é uma mulher que parece independente, porém a minusciosa construção de suas caracteristas contrastam com Vic, elevando as atitudes do marido ao mostrar que ela não possui apenas um problema em se manter fiel, mas renega sua filha e transforma todos em capacho quando tem uma chance.
O livro se inicia com uma história muito simples, agravada apenas pelas polêmicas e aparências extremamente importantes na época em que foi escrito e se torna gradualmente uma sangrenta e complexa trama. Entretanto, verdadeiro triunfo é a detalhada análise de Vic, que aos poucos vai se transformando e deixa um gratificante sentimento de missão finalizada quando chega ao ápice de sua personalidade. É fácil se identificar com a raiva que cresce internamente em Vic a cada vez que é menosprezado, mostrando como a criação de um sociopata pode ser simples – e acontecer com quem menos se espera.
Em Águas Profundas é mais um sucesso de Patrícia Highsmith que analisa maravilhosamente o psicológico do ser humano e entrega uma trama simples, mas incrivelmente elevada pelo intimo de seus personagens.