Resenha | Livre – Cinquenta tons de liberdade pelos olhos de Christian Grey

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O livro LivreCinquenta tons de liberdade pelos olhos de Christian Grey narra os acontecimentos do último livro da trilogia Cinquenta Tons de Cinza, porém pelos olhos de Christian Grey. A trilogia original fez tanto sucesso que vendeu mais de 7 milhões de exemplares e, por isso, esse spin-off, narrado do ponto de vista do protagonista. Nesse último livro, o casal se vê diante de alguns conflitos e muitas dúvidas sobre o casamento e o futuro deles juntos como uma família. Mas não são apenas os protagonistas que se questionam. Você, eu, nós leitores devemos nos perguntar se é esse tipo de trama que queremos consumir?

O personagem é ciumento, não é leal, é controlador, infantil, possessivo, às vezes irracional, explosivo… vemos uma série de características que em conjunto é quase como uma bomba relógio e os comentários que permeiam as redes sociais são “Como o Christian Grey é gostoso!” ou “Como eu gostaria de um Christian Grey na minha cama!”. O comportamento abusivo e tóxico desse e de tantos outros personagens masculinos mostram que há um sério problema e não é apenas com os homens. 

Por que tantas produções que derivam da pornografia continuam populares mesmo envolvendo abusos e crimes? 

Lá em 2015, a primeira adaptação da franquia original chegou aos cinemas e nessa época expressões como “cultura do estupro” ou até mesmo o famoso movimento Me Too ainda não eram tão falados assim pela imprensa no geral. Mas chegamos em 2016 e assuntos como relacionamentos abusivos, consentimento e a romantização desses problemas ganharam força e a temática começou a ter uma visibilidade correta na indústria audiovisual.

Pois bem, aqui vemos que o protagonista continua agindo de forma imprevisível e muito exagerada. Ele explode com facilidade, tem dificuldade em manter um diálogo civilizado sem surtar, se mostra infantil, controlador e possessivo. Se é assim que você pensa em construir um relacionamento com alguém, você precisa repensar os seus critérios. Mas o que mais nos mata de curiosidade é saber o motivo de venerar algo assim. Vamos refletir um pouco.

Vemos não apenas na franquia Cinquenta Tons de Cinza, mas em tantas outras que o protagonista tem o estereótipo de galã de cinema. É bonito, é rico, é poderoso, é o famoso “macho alfa” e nós mulheres somos ensinadas desde pequenas que esse é o tipo de casamento ideal, não apenas isso, o fato de que iremos encontrar a nossa realização pessoal num relacionamento e isso levando em conta a dupla jornada que fariamos se não estivessemos casadas com um “Christian Grey”.

Em Livre, por mais que se perceba uma voz um pouco mais ativa de Anastácia nesse livro, o estrago já foi feito, pois no início ela sempre acata o que ele quer e faz como ele quer. A trama romantiza o abusador personificando-o como um homem atraente, sedutor e que vale a pena qualquer risco para tê-lo e a construção da personagem é a mais clichê possível, a moça ingênua, virgem que o faz morrer de desejo e que consegue se casar com ele, achando ela que ele será um novo homem. A personagem foi desenvolvida, na trama anterior como uma moça inocente e se tornou uma mulher um pouco mais madura, mas ainda com resquícios de submissão diante do companheiro/abusador. 

Em livros como este só reforçam que a mulher não podem ter voz ou vontade e a mensagem que é transmitida é de que se o cara for rico e atraente, está tudo bem se ele te bater ou fazer coisas que você não quer, pois esse é o motivo… é permitido porque ele é bonito e milionário. E a cereja do bolo? Qual é? É uma trama escrita por uma MULHER!!!! A romantização da narrativa tende a justificar o injustificável e isso chega no leitor como uma representação do amor que um personagem sente pelo outro, mas na verdade é um comportamento abusivo que muitos escolhem não enxergar. 

A trama em si, busca muitos empecilhos mirabolantes para atrapalhar a relação do casal, como um rival que (re)surge, traumas da infância do protagonista, uma personagem mais relutante às imposições do futuro marido e a família do Christian e tudo mais. E no decorrer da leitura, vemos que a autora pesa a mão em alguns momentos, faltando com o equilíbrio e talvez, por isso, o livro seja tão longo o que o tornou cansativo. Por ser na visão dele, vemos o protagonista com mais profundidade e certos momentos o achamos chato, pois ele dramatiza muita coisa que nem é tanta coisa assim, volta no mesmo assunto e tal.

Além de Livre está um horror de tão longo, tem algumas falhas gramaticais e se tratando da editora que é uma grande empresa do ramo, deixou a desejar. A construção dos personagens é de forma trivial, não saindo dos clichês e dos absurdos. A trama da jovem moça que inicia a sua vida sexual com um homem ferido desde a adolescência chega ao fim, agora pelos olhos dele. Bizarro ler a mesma história duas vezes, mas é até interessante ver os medos mais profundos que cercam a cabeça e o coração do protagonista e ver que ,infelizmente, ele se apoia numa muleta que nem ele mesmo consegue carregar e o mais saudável seria buscar ajuda. A trama com todos esses traumas envolvidos, poderia ter sido escrita, pensada de forma a ajudar pessoas que passam por isso. Milhares de pessoas são abusadas quando crianças e a obra fez totalmente o contrário, romantizou os abusos e a violência.

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