Resumo

Elliot, de modo generoso, busca encorajar os vários “Elliots” que existem no mundo. Através da confusão e do caos de sua realidade, encontrou um modo de sobreviver e renascer. Com muita coragem e determinação, Elliot narrou suas dores, seus sofrimentos, mas não esqueceu dos momentos de alegria, de descoberta, dos amores que viveu.

Resenha | Pageboy

Certa vez, quando tinha 12 anos, estava no banheiro, sentado no vaso, e foi nesse momento que eu apenas soube. Mais cedo, meus pais tinham dito que “essa coisa de atuar” acabaria em breve. “Isso não vai durar para sempre, não queremos que você crie expectativas.”

Capitulo 18, Intuição, PageBoy – pg 178, Intrínseca

Quem diria que Ellen Page, a intérprete de Kitty Pryde de X-Men: O Confronto Final (2006), seria indicada ao Oscar por Juno? A primeira vez que assisti ao longa, foi um misto de estranheza, na época eu era nova e não entendia muito bem os temas abordados e como aquele neném sairia de dentro dela – certamente não existe cegonha no hospital. Mas foi legal, me diverti. Após ler o livro e assistir novamente a produção de 2007, vejo o quanto aquela produção exigiu de sua intérprete que hoje, após uma transição de gênero, se revela ao mundo como Elliot Page. É preciso muita coragem e determinação para enfrentar o mundo no qual vivemos. O ator de The Umbrella Academy mostrou o quanto a indústria de fazer sonhos pode ser cruel, tóxica e insensível, mesmo lidando com uma das profissões mais bonitas: a atuação.

Desde o momento que somos fecundados, o mundo já impõe sob nossos corpos, uma série de regras que devem ser seguidas dentro da estrutura quebrada que vivemos. Somos obrigados a desempenhar papéis que nem sempre queremos. Acredito que a complexidade de nascer em um corpo e não se ver nele, não se sentir nele, é tão avassalador que se torna impossível aparecer em público e expressar o mais singelo sorriso. Mas durante anos, o ator Elliot Page fez isso. Em seu livro Pageboy, ele revisita muitas das situações das quais precisou passar para se desconstruir e se redescobrir. 

Durante a leitura, pude perceber os inúmeros abusos e sofrimentos com os quais o ator lidava. Pode parecer estranho, mas diante de tudo o que viveu e passou, não eram as pessoas suas inimigas e sim, seu próprio corpo. Apesar de não se sentir confortável consigo, de tentar entender as mudanças pelas quais estava passando, sua carreira ia crescendo cada vez mais.

Em Pageboy, Elliot tem a oportunidade de voltar às origens em Hallifax, no Canadá, e de forma não cronológica, vislumbramos através de suas palavras, a trajetória de um jovem talento que crescia enfrentando as dúvidas acerca de sua identidade. Já não se via como uma menina e atravessar as fases da vida, certamente, não foi fácil. Infelizmente, os rituais de passagem o lançaram direto para a ansiedade e como se não bastasse, seus pais não sabiam lidar com toda a situação e para piorar, a nova esposa do pai fazia bullying constantemente com ele.

O algoz de Elliot Page

Um ponto interessante que percebi durante a leitura é que apesar de Elliot Page ser uma pessoa conhecida, pública (ele tem consciência disso), teve muitos privilégios – contudo, cercado de sofrimento. A cada página lida, tomamos conhecimento dos bastidores de uma Hollywood que poucos conhecem. A indústria cinematográfica pode ser cruel com quem não se encaixa nos padrões. É assim com as mulheres, com os negros, com a comunidade LGBT+.

Com Elliot, não seria diferente. São várias as situações que ele narra que é como um soco no estômago. Os abusos aconteceram de diversas formas como ser coagido a não se revelar para não perder trabalhos, usar roupas super femininas durante suas aparições públicas como em divulgações de trabalhos. Mas não há nada tão ruim quanto a violência sexual e ele explica que quando uma pessoa está tendo dificuldade em se reconhecer e se acolher, acaba se tornando um alvo fácil para os abusadores.

Boa parte do que ele conta, não cita nomes, mas às vezes suspeitamos de quem seja como no caso em que foi humilhado publicamente por um dos “atores mais famosos do mundo”, que chegou bêbado em uma festa e disse o seguinte: “Você não é gay. Isso não existe. Você só tem medo de homens”, disse o ator a Page. “Eu vou transar com você para fazer você perceber que não é gay.”. Já outras, ele dá nome aos seus agressores. 


Em uma das passagens, Page revela ter tido uma péssima experiência ao filmar com o diretor dinamarquês Niels Arden Oplev (O Homem que não Amava as Mulheres, 2009). Durante as gravações do remake de Além da Morte (refilmagem de Linha Mortal, de 1990), o diretor teria colocado os atores em situação de risco físico desnecessário. Para completar a situação desconfortável, Page participou de uma reunião com Oplev que, em tom condescendente, tentou minimizar os questionamentos do ator sobre os trajes femininos usados no longa, que não condiziam com sua personagem – uma jovem médica.

Mas Page também compartilha histórias menos cruéis como seu romance com Kate Mara (Quarteto Fantástico 2, 2015), ao mesmo tempo em que Mara namorava o ator Max Minghella – que sabia do relacionamento das duas. Há também, lembranças de várias pessoas que cruzaram pelo seu caminho e, de alguma forma, contribuíram para a busca de Elliot por si mesmo dentro da comunidade LGBTQIA +.

Muitos podem não gostar da estrutura do livro, não é linear e por vezes parece não ter coesão, mas acredito que foi intencional, já que são recortes de lembranças de uma pessoa que estava em luta consigo mesmo. Se olhar no espelho e não se reconhecer é duro demais. Além disso, senti falta de lembranças sobre o longa ‘Freeheld’, que conta uma brilhante e intensa história lésbica que ele produziu e estrelou com Julianne Moore, além dos bastidores de Juno e sua caminhada até o Oscar. De resto, está ok.

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Elliot, de modo generoso, busca encorajar os vários “Elliots” que existem no mundo. Através da confusão e do caos de sua realidade, encontrou um modo de sobreviver e renascer. Com muita coragem e determinação, Elliot narrou suas dores, seus sofrimentos, mas não esqueceu dos momentos de alegria, de descoberta, dos amores que viveu. Resenha | Pageboy
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