Muito antes de Gravidade e Interestelar, Makoto Yukimura já cantava a bola do que seria o futuro dos seres humanos. Na Terra e no espaço. E o nosso futuro é? Adivinhem? Sim, o básico: super-população, escassez de recursos, conflitos internos que impedem a humanidade de alcançar seu máximo potencial. Mas, como também não é novidade, os seres humanos dão o seu “jeitinho” de contornar esse problema. Como? Indo além da fronteira final: o espaço.
Até aqui, pode parecer uma trama padrão de ficção científica, nada diferente de qualquer coisa que Isaac Assimov ou Arthur C. Clarke já não nos tenham alertado. Mas é na relação dos seres humanos com o espaço que Yukimura nos ganha. Pois, como um dos personagens muito bem diz durante a trama, “o espaço pode ser muito perigoso… Mas ao mesmo tempo fascinante!”
“Aqui em cima, você não consegue ver fronteiras… Só o que se consegue ver é a Terra.”
Em Planetes, mangá de 1999 do autor Makoto Yukimura, relançado agora pela Panini, nós acompanhamos a equipe da Toy Box, uma nave que, em 2075, possui uma tarefa para nós bastante peculiar, mas que faz todo sentido: recolher lixo (ou detritos) espaciais. Ora, conforme os seres humanos marcham para o espaço em busca de recursos e… bem, espaço (super-população, lembra?), nós mantemos a nossa coerência enquanto espécie e deixamos uma montanha de lixo pra trás. Mas, dessa vez, o lixo não fica em um canto isolado e esquecido (como no velho filminho do colégio, a “Ilha das Flores”), mas sim, perigosamente acima das nossas cabeças, orbitando a Terra. Assim, empresas particulares agora lançam astronautas ao espaço não com o glamour da exploração e do desbravamento, mas com a simples tarefa de recolher a sujeira que os seres humanos tradicionalmente deixam para trás sempre que vão fazer alguma viagem mais longa.
Na obra, nós somos apresentados a uma dessas equipes: Hachimaki Hoshino, jovem japonês ambicioso que um dia deseja possuir sua própria nave; Fee Carmichael, americana que possui uma visão bastante pragmática e realista da sua profissão; e Yuri Mikhailokov, russo que possui um objetivo muito específico para estar nesse trabalho. Eles dedicam suas vidas a fazer aquele trabalho que na Terra ninguém quer fazer, e assim desconstroem a imagem mítica dos astronautas: são apenas pessoas comuns, fazendo um trabalho rotineiro, mas orbitando a Terra. Dia após dia, atravessando todo o planeta em algumas horas. O próprio nome já nos diz: Planetes é uma palavra em grego que significa “vagante” ou “andarilho”. Uma boa sacada de Yukimura, já que pode se referir aos próprios planetas, aos objetos que orbitam a Terra ou até mesmo nossos protagonistas.
O mangá é episódico, onde cada protagonista ganha seu espaço e desenvolvimento (embora, por quantidade de exposição, possamos considerar Hachimaki o protagonista); ele lembra aqueles velhos seriados de ficção, como Jornada nas Estrelas, onde não existe uma grande saga e/ou um grande propósito na trama, mas podemos ver gradualmente o desenvolvimento dos personagens dentro de história bem construída, onde a nossa identificação com eles é o que nos impulsiona para frente, dentro dessa realidade que é tão pouco estranha que torna-se palpável o sentimento de que, a qualquer momento, nós podemos chegar lá.
Chegar lá ou estar onde estamos nesse exato instante. Pois no mangá, o autor põe humanidade em conflito: ir ao espaço e além, aonde nenhum homem jamais esteve, como diria o outro, mas carregando conosco velhos e maus hábitos: o preconceito, a guerra, o abuso de recursos naturais. Nós mencionamos Asimov e Clarke não à toa, já que, no geral, o espaço e a ficção em Planetes são apenas um cenário de fundo para explorar a boa e velha condição humana e suas intermináveis idiossincrasias. Uma das coisas mais atraentes na obra é justamente seu realismo: nós somos apresentados aos personagens e os vemos se desenvolvendo, mas a ciência que embasa a obra não é deixada de lado. Pelo contrário, ela é muito bem fundamentada, e muito bem explicada, como o glossário no final do mangá (muito útil por sinal) nos demonstra bem. Se você, como este colunista, não é exatamente um expert em astrofísica, não se preocupe; o autor cuidadosamente explica todos os conceitos e eventos que se passam na obra de maneira simples e objetiva, sem ser condescendente ou pedante. Ao contrário, tudo tem uma função dentro da trama (como a constituição física das pessoas que nascem na gravidade lunar ou então a síndrome de Kesller, que é o próprio fundamento da história).
Portanto, se você está procurando robôs gigantes ou heróis coloridos, passe reto por Planetes. Sua história é séria e realista, mas pincela com muita naturalidade elementos de drama, de ação, de aventura, e, como não poderia deixar de ser, a tradicional estética cômica japonesa. É um mangá seinen, dirigido a um público mais maduro, o que não surpreende; como dito anteriormente, os temas abordados são tratados de forma realista, como as questões ecológicas e sociais, e muitas vezes nós sentimos culpados por aquele futuro tão árido enquanto lemos Planetes. Yukimura escreveu essa história 15 anos atrás, levantando esses questionamentos pois, como para muitas pessoas na época, essas questões haviam se tornado críticas e inevitáveis. Os sentimentos de culpa e frustração por termos avançado muito pouco ou quase nada nesses tópicos são latentes durante a leitura.
Mas não há só desespero no futuro de Planetes. Ao contrário. Personagens como Nono, a garota lunar, e Kyutaro, o irmão-gênio de Hachimaki, nos fazem crer que a humanidade possui esperança de alcançar um futuro melhor, seja na Terra, seja nas estrelas e além. Basta nos entendermos. Entre nós, humanos, e nós e esse fascinante e desconhecido ambiente que é o espaço. Um passo de cada vez. Ao nosso próprio ritmo, Yukimura nos faz refletir que podemos, sim, chegar lá.
Afinal, um pequeno passo para o homem…