“Eu lembro muito mais das coisas que pintei do que das coisas que vivi” – Siron Franco
É muito comum encontrarmos admiração para manifestações artísticas que vem de fora do país e não saber nem quem são os artistas nacionais que temos e que deveríamos valorizar. O documentário Siron. Tempo sobre Tela nos mostra mais sobre um desses artistas, o goiano Siron Franco de 73 anos, que conta com títulos como Melhor Pintor Nacional na 12.ª Bienal Nacional de São Paulo de 1974 e o prêmio internacional da 13.ª Bienal Internacional de São Paulo. Suas obras estão em importantes museus do Brasil e do mundo.
“E a gente tava de férias porque era julho e era dia 25 e eu tava num beco, pensei seriamente e falei o seguinte: “Tô a fim de vender minha alma, pro diabo ou pra Deus. Agora eu só quero o seguinte, eu quero ser do bem e eu quero dedicar minha vida a arte.” – Siron Franco
É dessa maneira que Siron marca a sua entrada para o mundo das artes, começou a ganhar a vida fazendo e vendendo retratos até que decidiu se concentrar em fazer desenhos, e é a partir desses desenhos que o documentário toma forma, não falando da trajetória desse artista, mas envolvendo sobre o processo criativo, o pensamento por trás, ou melhor, o não pensamento. É maravilhoso ver como o processo de Siron não se trata de simplesmente criar algo, mas da sua construção – e principalmente – da desconstrução das obras, Siron comenta que a tinta não está nas telas, mas sim no chão, essa ação de pintar e desfazer para pintar novamente faz com que ele chegue a um estado de exaustão e é nesses momentos em que suas obras realmente nascem, como que através de um transe, no qual no outro dia, ele olha para o quadro e chega a não se lembrar de como chegou naquele resultado.
Siron não se resume apenas a pintor, trabalhando com esculturas, instalação, ilustrações de livros e monumentos. É também o responsável pelo Monumento das Nações Indígenas, inaugurado em 1992 em Aparecida de Goiânia e que infelizmente foi danificado. Das colunas que foram construídas, 499 foram destruídas sob a alegação que estavam ocorrendo rituais satânicos naquele local, mas na verdade, eram apenas os indígenas fazendo os seus ritos. Do monumento sobrou apenas a lembrança, as fotos e a intolerância, tanto religiosa e quanto racial que aquele local sofreu.
Podemos ver o quanto a sociedade é importante para Siron e como ela influencia nas suas obras, em 1987 ocorreu o acidente com Césio-137 em Goiânia, o maior incidente radioativo no Brasil e no mundo fora de usinas nucleares e esse evento repercutiu na criação da série Césio.

Podemos também perceber como no mundo da arte nem sempre o artista é tão valorizado quanto suas obras. Siron chega a comentar que: “Eu faço algo que não tenho dinheiro pra comprar, isso é muito engraçado”, trazendo uma reflexão de como essa indústria funciona. Siron nos mostra a face do artista que poucos podem ter contato e como esse mundo é fascinante, cheio de cores e nuances, e principalmente como o tempo é influência de tudo.
Os diretores André Guerreiro Lopes e Rodrigo Campos acertaram em cheio no caminho que tomaram com esse documentário, saindo do óbvio e aprofundando o relacionamento que Siron mantém com suas obras, saindo do óbvio de apenas retratar a vida do artista e mostrando os seus processos, principalmente os interiores. Os takes em que as cenas de pintura estão acontecendo de trás para frente fazem ainda mais sentido quando descobrimos a relação que Siron mantém com o tempo e com o re-fazer de suas obras, a voz do próprio Siron contando sua história como um narrador fora da obra, apenas reforça todo o cuidado e atenção os diretores colocaram nessa obra.
Siron. Tempo sobre Tela, é muito mais que um documentário, é um mergulho na cabeça do artista e um convite para tentar compreender o seu mundo interior e a relação que temos, principalmente com o tempo.
O documentário estréia dia 25 de março nos cinemas!
“O tempo tá tão cheio de imagem que a única coisa que as pessoas não conseguem fazer mais é contemplar. Você, diante da natureza, não precisa ser diante de um quadro, senta e tenta olhar sua mulher por uma hora. Faz essa experiência, é magico. Ela vai mudando. Eu, quando pintava retrato era incrível porque vai mudando, a pessoa vai mudando, vai mudando, e você vai vendo.” – Siron Franco
