Um caso muito interessante de narrativa é o de Uma Família Feliz, que estreia seu longa em abril sendo adaptado do livro homônimo de Raphael Montes

Com o lançamento do livro muito próximo do filme, é um case interessante para o audiovisual brasileiro, já que não foi preciso testar a aceitação do livro pelo público para embarcar na adaptação. O livro foi lançado com uma campanha imensa de marketing e um bom alcance entre os fãs em 7 de março de 2024, enquanto o filme estreia nos cinemas em 4 de abril de 2024. 

O livro Uma Família Feliz conta a história de Eva e sua família perfeita, moradora de um condomínio de luxo, com duas meninas bem cuidadas, um marido bem sucedido e um trabalho satisfatório com arte Reborn. Tudo parece ficar ainda mais feliz com a notícia de sua gravidez, agora um menino para alegrar a casa. 

Uma Família Feliz e a dificuldade em manter o suspense na tela  1

Mas a vida perfeita não parece ser tão boa assim. A gravidez conturbada e o nascimento do filho mexem com a saúde mental de Eva, que só piora ao não conseguir dar conta da demanda dos cuidados de um recém-nascido, a rotina da casa e seu trabalho. É quando acontecimentos violentos começam a acontecer e através de detalhes íntimos da vida do casal, o leitor navega em uma trama em busca dos motivos que levaram aos trágicos acontecimentos do capítulo inicial da obra- que, por sinal, é o mesmo do último. 

A narrativa de Raphael Montes investe em entrelinhas do comportamento humano para instigar a desconfiança de cada personagem, primeiro das ações duvidosas de Eva como uma mãe cansada e frustada, depois de Vicente como um possível pai violento e com gostos pecaminosos, além de mostrar algumas pessoas envolvidas na família que se tornam potenciais suspeitos. 

Uma Família Feliz e a dificuldade em manter o suspense na tela  2

Já o longa, também escrito por Montes, retrata tudo isso de maneira fiel, com exceção do período da gravidez da Eva, que é descartado e parte direto para o nascimento do bebê. Mas a fidelidade não é fórmula de sucesso nesse caso, que deixa claro a necessidade de algumas mudanças quando falamos de uma adaptação cinematográfica. 

A apreensão que envolve o livro e prende o leitor fica por conta dos pensamentos de Eva, que deixa bem claro as dificuldades que está passando, o quanto pequenas cobranças de uma maternidade perfeita- amamentação correta, ter um parto natural, respeitar uma rotina rigorosa do bebê enquanto não peca na rotina criada para as filhas mais velhas-, pesam em sua mente causando transtornos que a levam a desconfiar de seus próprios atos. Ao mesmo tempo, desconfia também de que Vicente está forçando as situações para que ela saia como vilã e ele possa fazer o que quer com os filhos. 

Uma Família Feliz e a dificuldade em manter o suspense na tela  3

O filme, utilizando dos mesmos argumentos, mas sem expor o íntimo da protagosnista, não consegue passar o mesmo sentimento. As cenas são fiéis, porém muito é exposto em diálogos, e detalhes que despertam os sentimentos do leitor, como frases pontuais, são deixadas de fora. O resultado acaba sendo uma obra com uma história boa, entretanto menos interessante que a original e com um final bem mais previsível. 

A atuação de Grazi Massafera convence no cansaço de Eva, mas não deixa evidente suas dúvidas internas. A escolha de tirar alguns detalhes do livro, como o passado significativo e os momentos em que Eva bebe que são sempre seguidos de um problema e causam um desgosto no leitor, deixando as escolhas da personagem mais suspeitas, também é um erro no filme, já que perde a dualidade das suspeitas. Enquanto Eva pode ser a culpada e estar meio maluca, Vicente, que aponta isso a todo momento, se torna um machista que pode ser a verdadeira causa dos acontecimentos. Por outro lado, Reynaldo Gianecchini entrega bem os dois lados que seu personagem precisa passar – o pai amoroso ou o cara bonzinho apenas nas aparências? Mas seu papel sofre com a suavização de fatos, onde existe um certo medo de mostrar as suspeitas acerta de pedofilia abertamente e acaba não causando o ódio necessário no público. 

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Uma Família Feliz acaba sendo uma narrativa que funciona muito melhor no livro do que na produção. É uma obra de qualidade das duas formas, mas deixa claro que o roteiro podia ter um trabalho mais profundo, principalmente pelo fato de ser o mesmo escritor, que prova no livro que tem capacidade de impressionar com sua escrita. 

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