Já faz alguns anos que os serviços de streaming de conteúdo audiovisual (Netflix, Prime Video, Disney+, entre outras) crescem significativamente no Brasil. Estima-se que mais da metade da população assine ao menos uma das plataformas disponíveis. De fato, o país é um dos mercados mais relevantes no mundo.

Essas empresas são importantes financiadoras de obras nacionais. Afinal, para aumentar o seus catálogos com novidades, elas periodicamente encomendam filme e séries com produtoras brasileiras. É aqui que surge a figura do buyout.

Em tradução livre, buyout significa “compra total”. Em termos técnicos, buyout é a operação jurídico-econômica na qual o financiador adquire todos os direitos de propriedade intelectual (em especial, os direitos patrimoniais de autor) sobre a obra audiovisual (o filme, série etc).

E por que isso é relevante?

Como regra, os direitos de propriedade intelectual são da produtora responsável pela realização da obra audiovisual. Afinal, é ela que contrata a equipe, licencia direitos, organiza as atividades, faz os pagamentos, assume riscos, enfim, toma todas as iniciativas para que a obra aconteça. Ela também “centraliza” os direitos autorais (e conexos) de todos os participantes, tais como atores, roteiristas, diretor e compositor de trilha.

Devemos lembrar que ninguém pode usar uma obra protegida pelos direitos autorais sem autorização do seu titular. Logo, se a plataforma de streaming deseja ser a “dona” daquele filme ou série que ela está encomendando, ela precisa garantir que a produtora irá transferir (ceder) estes direitos por contrato.

Veja também: Como funciona a distribuição de uma obra audiovisual?

Obviamente, o financiador quer sim ser o único proprietário da obra e ter o direito de explorá-la livremente sem qualquer condição ou limitação. Nesse sentido, as cláusulas de transferência (cessão) de direitos são as mais abrangentes possíveis e permitem que o financiador possa exibir ou não, fazer sequências, explorar subprodutos (brinquedos, roupas etc.), bem como quaisquer outras formas de aproveitamento econômico daquele conteúdo audiovisual. Daí vem a ideia de “compra total”. É uma compra de direitos para qualquer finalidade, modalidade de uso, forma de aproveitamento, territórios, mídias e pelo prazo máximo que a lei permitir.

buyout representa assim a transferência total de direitos da produtora para o agente financiador, sem limitações, condições ou restrições. Falamos aqui das plataformas de streaming, mas isso serve para canais privados e qualquer outro investidor que também realize a aquisição completa dos direitos de propriedade intelectual.

Vale observar que após a entrega da obra encomendada e recebimento do respectivo pagamento, a relação entre produtora e financiador normalmente acaba. Isso significa que a produtora não vai estar necessariamente envolvida com a produção de novas temporadas da série ou de sequências do filme. A decisão sobre quem envolver em futuros projetos caberá apenas ao novo titular da obra, ou seja, o próprio financiador que fez a compra. Do mesmo modo, produtora receberá apenas a remuneração pelos serviços de produção já prestados e não terá direito de participar dos resultados de exploração da obra.

Essa lógica também acaba se aplicando a todos que participam da produção audiovisual. Afinal, toda a “cadeia de direitos” (de propriedade intelectual) deve ser cedida da mesma forma para que o produto final seja entregue ao encomendante nesse modelo de buyout. Assim, os roteiristas, por exemplo, que idealizam e desenvolvem os roteiros, também são pressionados a transferir seus direitos sem limitações e restrições – muitas vezes sem quaisquer garantiras de que participarão de futuros projetos de sua própria criação e sem direito de receber novas remunerações/participações pela exploração da obra.

Não por acaso, os criadores e novas produtoras estranham as cláusulas de buyout quando estão começando a atuar no setor. Na maior parte das vezes, os contratos de encomenda de obra audiovisual contendo cláusulas de buyout possuem pouca ou nenhuma margem de negociação – o que significa que a produtora deve aceitar estes termos se quiser produzir seu filme/série.

Não obstante, atualmente, muitas produtoras e roteiristas com mais experiência e renome estão tentando negociar novos termos para estes contratos, garantindo alguma contrapartida adicional, como o direito de receber uma oferta para trabalhar em novos projetos derivados da obra audiovisual. O financiamento público para produções é uma alternativa essencial para que tais produtoras tenham alternativas viáveis de custeio das obras, podendo optar ou não pelo buyout de acordo com sua estratégia própria, ao invés de recorrer a tais negociações por uma necessidade imediata de continuar com suas atividades.

Texto escrito por Nichollas Alem. Fundador e presidente do Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes – IDEA. Advogado atuante nas áreas de Direito do Entretenimento e Direito da Inovação Tecnológica. Mestre em Direito Econômico pela USP. Consultor da UNESCO em equipamentos culturais. Membro da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual.

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