Durante muito tempo – quando não escrevia críticas de séries, livros e filmes -, eu assistia aos mesmos filmes e séries. Um dos meus favoritos era “A Múmia” de 1999 com Rachel Weisz e Brendan Fraser. Lembro-me que, em uma das viagens que fiz à Bahia com meus pais, num dia chuvoso aluguei o filme “Viagem ao Centro da Terra” também com Fraser no elenco. Fato é que, não vi mais nada novo dele. Ele sumiu. 

Nunca suspeitei de seu sumiço, mas outro dia escutando as fofocas sobre um filme chamado “A Baleia” e que o mesmo integrava no elenco um galã dos anos 90, fiquei curiosa e fui atrás. Para minha surpresa, era um dos meus atores favoritos. Porém, um tanto diferente do que eu estava acostumada a ver. Foi durante a celebração do Festival de Cinema de Tribeca em junho de 2021 que muita gente começou a comentar sobre o ator, sobre sua aparência.

Na época, o ator norte-americano compareceu ao evento para apresentar seu novo projeto “No Sudden Move”, thriller ambientado na década de 1950, dirigido por Steven Soderbergh, no qual estrela ao lado de Benicio del Toro, Jon Hamm e Don Cheadle. As perguntas que permeavam a internet eram sobre sua aparência física, “O que aconteceu com Fraser?”. Muitas pessoas se lembram dele como um símbolo sexual dos anos noventa em comédias de sucesso, como “George, o rei da Floresta” ou dramas como “Deuses e Monstros”, em que mostrou boa desenvoltura e talento para a carreira. As fotos em que registram a presença do ator no Festival de Cinema de Tribeca, mostravam um ator acima do peso e com uma postura bem rígida.

Assim como a grande máquina de fazer estrelas, Hollywood, é filha da puta com muitas atrizes – #MeToo está aí para provar -, a indústria de fazer sonhos foi mesquinha e ingrata com seu galã dos anos 90. Todo mundo queria saber o porquê da aparência de Fraser e o motivo era que tinha acabado de filmar um novo filme em que é o protagonista. Trata-se de The Whale, filme dirigido por Darren Aronofsky, “Cisne Negro”, em que interpreta um professor de literatura que, pesando mais de 270 quilos, vive preso em seu sofá enquanto tenta recuperar a relação com a filha de 17 anos.

Especial | O retorno de Brendan Fraser 1
Brendan Fraser em A Baleia / Reprodução A24
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Um rostinho novo acompanhado pelo sucesso

Entre 1990 e 2000, a carreira de Fraser já tinha alguns filmes interessantes em seu currículo. Pelo o que o ator contou há alguns anos, é que o interesse pela atuação surgiu quando ainda era adolescente. Após assistir a uma apresentação no West End de Londres durante as férias, formou-se em teatro pelo Cornish College of the Arts em Seattle em 1990. No ano seguinte, ele deveria estudar um mestrado de Belas Artes, com especialidade em atuação, na Southern Methodist University em Dallas, Texas, mas a caminho de seu destino fez uma pequena parada em Los Angeles, que mudaria toda a sua trajetória.

O aspirante a ator aproveitou para fazer testes em algumas audições e ele acabou sendo selecionado para interpretar Marinheiro #1 em “Apostando no Amor“, um filme estrelado por River Phoenix e Lili Taylor. Era um papel sem falas e seu trabalho era levar uma surra. Era um papel sem diálogo, em que sua única função era levar uma surra. “Eles deram o uniforme para mim e alguns outros e tivemos que participar de uma briga com alguns fuzileiros navais”, disse Fraser em entrevista à edição americana da GQ em 2018.

“Ganhei o cartão do sindicato dos atores e 50 pratas por uma cena, que eu era jogado em uma máquina de pinball. Acho que quebrei uma costela, mas eu pensava, ‘Estou bem! Deixe-me fazer de novo. Se quiser, o rompo em pedaços. Quer que eu faça de novo?”- lembrou Fraser.

Especial | O retorno de Brendan Fraser 2
Brendan Fraser e Leslie Mann em George, o rei da floresta / Reprodução

Logo veio um papel mais relevante, na produção “O Homem da Califórnia“, no qual interpreta um homem que passou milhares de anos congelado em um bloco de gelo e desperta na Los Angeles dos anos noventa num cenário high school. Esse trabalho abriu portas e janelas para Fraser. Logo, o veríamos em  filmes como “Os cabeças-de-vento”, “Com mérito” e “George, o rei da Floresta”. Saindo dessa pegada mais comédia/dramática, ele estrelou longas mais sérios como “Código de Honra” com alguns rostinhos novos como o dele como Matt Damon e Ben Affleck. Um dos longas que teve grande repercussão foi “Deuses e Monstros“, filme em que dividiu a tela com Ian McKellen e que ganhou o Oscar de melhor roteiro adaptado. 

A queda e o sumiço precoce

Mesmo desempenhando papéis mais sérios, ele lamentava ser visto apenas como um rostinho bonito ou só mais um ator atraente. Além disso, em muitas ocasiões em que estava filmando, acabava se machucando devido às cenas de risco e somado ao estresse do trabalho, seu corpo começou a cobrá-lo. Mas assim como qualquer outra pessoa que está numa boa fase da carreira, não passava de “detalhes” e que trariam mais oportunidades e melhores. “Sei que terei muitas oportunidades no futuro, só espero saber escolher bem”, declarou ele durante uma turnê europeia promovendo A Múmia.

O último grande papel de Brendan Fraser em um blockbuster foi como o protagonista de Viagem ao Centro da Terra, filme de 2008 que adapta o clássico de Júlio Verne. Mas quando o longa chegou aos cinemas, o ator já estava se afastando dos holofotes.

Trailer de Viagem ao Centro da Terra

Ele sumiu dos holofotes. Participou de alguns projetos menores, mas nada que chamasse atenção para si. Foi como se ele ficasse invisível.Ninguém desconfiou do sumiço do astro de “A Múmia”. Mas em 2018, o próprio ator revelou que, sim, seu afastamento foi motivado por um problema que enfrentou. Durante o auge do movimento *Time’s Up, em que muitas atrizes expuseram casos de assédio sexual na indústria audiovisual, Fraser revelou que havia sido assediado em 2003.

*Nota: Em janeiro de 2018, quando um pequeno grupo de mulheres, todas celebridades de Hollywood, se uniram para fazer denúncias contra Harvey Weinstein, um famoso produtor de cinema norte-americano. As denúncias contra ele são longas. Desde estupro a assédio sexual, dezenas de mulheres vieram a público manifestar a sua indignação contra a conduta do produtor, que rapidamente viu a sua carreira chegar ao fim. Leia mais em Canaltech.

À revista GQ, o ator afirmou que foi abusado por Philip Berk, o então presidente da Hollywood Foreign Press Association (HFPA) – a organização por trás do Globo de Ouro. O relato de Fraser é bastante perturbador, e detalha como ele foi abusado pelo executivo durante um evento em Beverly Hills, no meio de uma sala movimentada. O ator conseguiu escapar do abusador, mas foi um ponto traumático em sua vida: “Me senti enjoado e impotente, como se tivesse algo preso em minha garganta. Estava prestes a começar a chorar.”

Berk garantiu à GQ, no mesmo artigo, que Fraser havia inventado a história. Mas Fraser não conseguia esquecer e sua angústia acabou levando à depressão. “Isso me fez recuar, me confinou”, confessou o ator. A depressão de Fraser se somaram aos efeitos de todos os seus ferimentos físicos, que o forçaram a se submeter a várias operações ao longo dos anos. Em 2009, se divorciou de sua esposa, com quem estava casado há 21 anos, e uma certa sensação, que nunca chegou a ser confirmada, de que Berk e sua importante associação estavam fazendo todo o possível para boicotar sua carreira. O que é inegável é que pararam de convidá-lo para o Globo de Ouro, e as franquias “A Múmia” e “Viagem ao Centro da Terra” continuaram sem sua participação.

Levou quinze anos para que Fraser falasse publicamente sobre o assunto. O ator nunca deixou de trabalhar, mas esteve em produções menores e ficou esquecido até 2016, quando foi contratado para interpretar o melancólico oficial da prisão John Gunther na série The Affair.

Embora seja um papel secundário e estar presente apenas por uma temporada, foi a primeira vez em muitos anos que Fraser atuou em um produto audiovisual massivo e seu retorno foi celebrado em alguns meios de comunicação, inclusive se popularizou o conceito de Brenaissance, um jogo de palavras entre Brendan nome e a palavra “renascimento” em francês.

O retorno das cinzas e um discurso emocionado

Após ter se pronunciado em 2018, aproveitando a esteira do #MeToo, Fraser tem aparecido mais e desempenhando papéis mais notáveis como nas produções “Trust”, “Titans” ou “Doom Patrol” que possuem uma pegada mais diferente do que ele estava acostumado a adotar em tela. No entanto, os papéis que interpretou em “No Sudden Move” e “The Whale” são muito mais profundos e especiais em sua carreira. As produções se parecem mais com o trabalho de um homem que sabe o que é reclusão, solidão e sofrimento.

Contudo, o filme que marca o retorno de Brendan Fraser a Hollywood é “The Whale”, que recebeu 6 minutos de aplausos no Festival de Cinema de Veneza em setembro de 2022. O ator se emocionou durante a ovação do público. Em janeiro deste ano, o ator Brendan Fraser se emocionou ao receber o prêmio de Melhor Ator de Filme de Drama, no Critics Choice Awards, cerimônia promovida pela associação de críticos de TV e cinema dos EUA, e que é considerada um dos principais termômetros para o Oscar, marcado para 12 de março. O artista foi enaltecido por seu trabalho em “A baleia”, com previsão de estreia no Brasil em 23 de fevereiro de 2023.

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