Devo confessar que Todd Hayes é um cineasta que costuma passar despercebido em minha fraca memória cinéfila. Digo isso porque gosto de seus filmes, em especial, Não Estou Lá (2007), uma cinebiografia estilizada e original sobre Bob Dylan, e Longe do Paraíso (2002), drama de época no qual Julianne Moore vive uma dona de casa que passa por uma crise conjugal em meados da década de 1950. Desta forma, qual foi a minha surpresa, ao início da exibição de Carol (EUA/França, 2015), quando me deparei com o nome de Hayes nos créditos iniciais e pensei: “Esse cara não me é estranho…”.

Não demorou para que não apenas o nome do diretor estadunidense me parecesse familiar. O talento e a elegância do trabalho de Hayes permitiram que o filme ali exibido me lembrasse de outros com a assinatura de seu realizador. Ambientado nos anos 50, como em um dos filmes do cineasta citado acima,Carol abre com um belo plano-sequência que nos conduz para o interior de um restaurante. Nele, encontramos duas mulheres que conversam numa das mesas: Carol Aird (Cate Blanchett, de Cinderela) e Therese Belivet (Rooney Mara, de Ela). A conversa é interrompida quando um conhecido de Belivet a cumprimenta, lembrando-a de uma festa que acontecerá na casa de um amigo em comum. A decepção fica evidente no rosto de Carol, que se levanta e, ciente de que já não tem mais a atenção exclusiva de sua interlocutora, a deixa, mas não sem antes tocar carinhosamente no ombro dela.

A cena inicial de Carol dá o tom da narrativa, repleta de minúcias e calcada nas interpretações de suas protagonistas, Blanchett e Mara, que dão vida a duas mulheres que, por meio de sua relação, levam o espectador a refletir sobre a experiência do amor. Do momento de uma evidente ruptura, quando a relação entre Carol e Therese parece chegar ao fim, somos transportados para o instante em que as duas mulheres se veem pela primeira vez. Therese é balconista de uma loja de brinquedos, movimentadíssima por conta da chegada do Natal; Carol é uma cliente, que busca uma boneca para a filha pequena. Os olhares se cruzam e, neste momento, fica perceptível que algo muito especial acontecerá a partir deste encontro.

Carol
Carol | Imagem: Maré Filmes

Em pleno século XXI, quando discussões acaloradas sobre os direitos de casais homossexuais ainda dividem, violentamente, opiniões, um filme como Carol parece extremamente pertinente, em especial por situar a narrativa na metade do século passado, quando a homossexualidade era vista como patologia e uma afronta aos costumes sociais vigentes. Isso não quer dizer que o longa levanta uma bandeira em favor de um movimento, até porque isso não é o que, de fato, acontece; no entanto, a pertinência de Carol está no mérito de colocar, acima de qualquer questão de gênero, o amor. Afinal de contas, apaixonar-se é algo pelo qual todos passamos. Para isso, bastar ser humano.

Carol é, em sua essência, um romance, uma história de amor; no entanto, ao longo dos seus 118 minutos, apresenta camadas que remetem a outros gêneros como drama, thriller e road movie. É neste último que a produção ganha fôlego e cativa o espectador, uma vez que é neste seguimento da trama que as personagens passam a se conhecer e, pela convivência, têm a certeza de que foram feitas uma para a outra. No entanto, o romance entre Carol e Therese pode colocar muita coisa a perder, em particular para a primeira, pelo fato de ser casada e possuir uma filha, esta responsável por garantir a sobrevida de um casamento falido.

Tendo como sustentáculo os brilhantes trabalhos de Cate e Rooney, o filme é um daqueles que valem mesmo pelas atuações e fica nítido que cada detalhe da produção (figurino, fotografia, direção de arte…) é voltado para contribuir ainda mais para o desempenho das atrizes. A decisão não poderia ter sido mais acertada e ver as duas mulheres em cena arrepia pelo talento e pela química que há entre as duas. Fica perceptível que a câmera de Hayes se distancia e o próprio diretor parece interferir o mínimo para que o show seja comandado por sua dupla de protagonistas.

Adaptação do livro escrito por Patricia Highsmith (publicado no Brasil pela editora L&PM), Carol teve as suas intérpretes indicadas ao Globo de Ouro, ocorrido no último domingo, dia 10 (ambas na categoria de Melhor Atriz em Longa-Metragem – Drama), além de ter concorrido também nas categorias de Melhor Filme – Drama, Melhor Diretor (Todd Hayes) e Melhor Trilha Sonora Original (Carter Burwell). Não levou nenhum dos prêmios, mas a quantidade de indicações dá indício da força do longa, que pode chegar entre os favoritos na briga pela estatueta, no Oscar deste ano.

Carol estreia nesta quinta-feira, dia 14 de janeiro.

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